terça-feira, 5 de setembro de 2017

Culto Luterano - Sacramentos

B. Sacramentos
Por bem mais de mil anos não havia consenso sobre quantos sacramentos existiam precisamente na igreja cristã. Na verdade, o número permaneceu indeterminado ao longo da maior parte da história do cristianismo.[1]
Surpreendentemente, as Confissões não se atêm a um número específico de sacramentos. O número de sacramentos variou com os diferentes teólogos até o fim da Idade Média. Provindos desse contexto teológico, os confessores não se sentiam obrigados a especificar o número.[2] As Confissões, no entanto, reconhecem dois sacramentos como essenciais, e que se enquadram na definição de Agostinho: “Acresça o verbo ao elemento, e assim se torna sacramento.”[3]
O Catecismo Maior, por exemplo, fala de: “nossos dois sacramentos, instituídos por Cristo.”[4] Apesar da posição comumente mantida de que dois e, exclusivamente dois, podem ser considerados sacramentos, as Confissões parecem mais inclinadas a estabelecer o número de três, incluindo a absolvição entre os sacramentos.[5] Outros ritos, como ordenação e casamento, às vezes, também recebem o nome de sacramento.[6] A confirmação, no entanto, é explicitamente excluída como sacramento.[7]
As Confissões enfatizam que Palavra e Sacramentos são meios da graça e constituem os sinais da igreja.[8] É com base na Palavra e nos Sacramentos que se estabelece a verdadeira unidade da igreja. Sem Palavra e Sacramento, não há igreja, não há povo de Deus.
Na teologia luterana a proclamação da Palavra tem significado sacramental. A proclamação da palavra do perdão nos sermões não é pensada como sendo uma aula de religião. Não é mera instrução moral. A proclamação da Palavra é viva vox evangelii. Pela Palavra o perdão é veiculado. Pela Palavra a vida eterna é concedida mediante o Espírito atuante na Palavra. De certa forma, a Palavra é um Sacramento último, pois o Santo Batismo, o Sacramento do Altar e a Absolvição, estão na dependência dessa Palavra de Deus. Ouvir a Palavra falada e proclamada é ouvir o próprio Cristo, que diz: “quem vos der ouvidos, ouve-me a mim; e, quem me ouvir, ouve aquele que me enviou.”(Lc 10.16).[9]
Esta visão sacramental da Palavra não elimina a necessidade dos Sacramentos. Eles foram instituídos por Cristo e atendem uma profunda necessidade na vida das pessoas. No Catecismo Maior, Lutero diz: “assim a fé se apega à água, crendo que é o batismo, em que há pura salvação e vida. Não pela água... mas porque está unida a Palavra e a ordem de Deus. Aquilo a que a fé adere e com a qual está ligada... tem de ser natureza externa, para que se possa captá-la e compreendê-la com os sentidos e a fim de que mediante isso se possa levá-la ao coração. Pois que o evangelho todo é pregação externa, oral.”[10]
Os confessores tinham a convicção de que se o povo fosse instruído apropriadamente quanto ao valor e aos frutos dos Sacramentos, seriam movidos a usá-los frequentemente. Melanchthon afirmou com absoluta certeza na Apologia: “em nossas igrejas muitos certamente usam muitas vezes por ano dos sacramentos, da absolvição e da ceia do Senhor.”[11]
As Confissões tinham como pressuposto de que, ordinariamente, o celebrante da Santa Ceia fosse um ministro ordenado. A autoridade de administrar os Sacramentos faz parte da autoridade com o qual o ministro foi investido por ocasião de sua ordenação. Como um servo da Palavra, chamado e ordenado, o ministro celebrante dos Sacramentos está atuando como agente de Deus. Entretanto, o Tractatus concede que, em caso de emergência, um leigo possa absolver e tornar-se ministro e pastor para o seu semelhante.[12]
Quais são os propósitos dos Sacramentos? Um dos seus propósitos é identificar a igreja. Onde os Sacramentos estão sendo celebrados e administrados, aí o cristão sabe que a igreja existe.[13] Mas, eles fazem mais do que isso: os Sacramentos operam remissão dos pecados, vida e salvação.[14]
Os Sacramentos não são uma invenção da igreja. São uma instituição de Cristo. Pela instituição de Cristo, eles se tornam válidos e eficazes, independente da fé ou da descrença. A santidade ou imoralidade, tanto do ministro quanto do participante do sacramento, não afetam a sua validade.[15] Os Sacramentos, porém, não alcançam seu fim próprio, ou seja, a justificação, pela mera execução do rito. Para alcançarem o seu fim, a justificação, os Sacramentos requerem fé por parte de quem os usa. Os Sacramentos foram instituídos para despertar e confirmar a fé daqueles que fazem uso dos mesmos.[16]



[1] James F. WHITE, op. cit., pp.133 e137. Em seu livro, WHITE aborda o assunto amplamente, cf. pp.133-152.
[2] Livro de Concórdia, Ap XIII, p.223.2.
[3] Id. Ibid., AE III.IV, p.333.2. Agostinho diz: “Accedat verbum ad elementum et fit sacramentum.”
[4] Id. Ibid., CM IV, p.474.1.
[5] Id. Ibid., Ap XIII, p.223.4.
[6] Id. Ibid., Ap XIII, p.224.11 e p.225.14-15.
[7] Id. Ibid., Ap XIII, p.224.6.
[8] Id. Ibid., Ap XXIV, p.280.69; VII e VIII, p.177.3 e 5.
[9] Id. Ibid., Ap VII e VIII, p.182.28.
[10] Id. Ibid., CM IV, p.478.29-30.
[11] Id. Ibid., Ap XI, p.190.3
[12] Id. Ibid., Tractatus, p.356.67. “A Reforma trouxe a percepção de que todos os cristãos poderiam exercer um papel sacerdotal confessando e perdoando-se uns aos outros. Porém muitas vezes onde o poder está à disposição de todos, ele não é exercido por ninguém. Todas as tradições protestantes julgaram necessários padrões de disciplina e julgamento, embora os meios de execução variassem. Calvino vinculou à eucaristia a ação disciplinar de excluir da comunhão (i.e, excluir pecadores notórios 1 Co 11.27), sendo que Wesley exigia tíquetes de comunhão dos membros de suas classes. Ambas as práticas sobrecarregavam a eucaristia com um indevido fardo disciplinar.” J.F. WHITE, op. cit., p.209.
[13] Livro de Concórdia., CA, p.34.1.
[14] Id. Ibid., Ap XII, p.197.42; XIII, p.225.14; XXIV, p.276.49.
[15] Id. Ibid., Ap VII e VIII, p.177.3, p.180.19; CM IV, p.487.16 - p.488.17.
[16] Id. Ibid., Ap XIII, p.225.18; XXIV, p.280.68; CA XIII, p.34.1-2; XXIV, p.46.30; Ap XII, p.194.12, p. 195.25.

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