II - O Culto Litúrgico - História e Teologia
A. Definindo Termos
Não
é fácil falar e definir um assunto que é tão amplo como a história do próprio
homem. Mas, precisamos fazê-lo de alguma forma, pois é importante entender o
que estamos fazendo quando nos reunimos. James F. White nos serve de auxílio
nessa grandiosa empreitada, mostrando como diferentes pensadores protestantes,
católicos e luteranos usam o termo.
Escrevendo
a partir da tradição metodista, o
professor Paul W. Hoon define a vida
cristã como sendo uma vida litúrgica. O culto para ele está vinculado
diretamente aos eventos da história da salvação. Para ele, o núcleo do culto é
“Deus agindo para dar a sua vida ao ser humano e para levar o ser humano a
participar dessa vida”. As palavras-chave na compreensão de Hoon sobre culto
parecem ser “revelação” e “resposta”. Trata-se, portanto, de uma relação
recíproca em que Deus toma a iniciativa em relação ao homem por meio de Jesus
Cristo e nós, por meio de Jesus Cristo, respondemos usando uma variedade de
emoções, palavras e ações.
Jean-Jaques von Allmen, escrevendo
dentro da tradição reformada,
defende vigorosamente o culto cristão como sendo a recapitulação daquilo que
Deus já fez. Para ele o culto “resume e confirma sempre de novo a história da
salvação, cujo ponto culminante se encontra na intervenção encarnada do
Cristo”. Von Allmen ainda descreve o culto como sendo a “epifania da igreja”,
visto que, ao resumir a história da salvação, capacita a igreja a tornar-se ela
mesma, tomar consciência de si mesma e se confessar entidade específica.
Finalmente, ele acrescenta que culto é ao mesmo tempo ameaça de juízo e
promessa de esperança para o próprio mundo. O culto, portanto, para von Allmen
tem três dimensões-chave: recapitulação, epifania e juízo.
Na Igreja Católica Romana é comum
descrever o culto como “a glorificação de Deus e a santificação da humanidade”.
A origem dessa definição é do papa Pio X, que em ao falar sobre música na
igreja em 1903, disse que o culto deve ser para “a glória de Deus e a
santificação e edificação dos fiéis”. A mesma definição se repete com Pio XII e
aparece com frequência na Constituição
sobre a Sagrada Liturgia do Vaticano II em 1963, porém, invertendo essa
ordem, ou seja, fala primeiro da santificação do ser humano e então da
glorificação de Deus. Felizmente mais tarde, se chegou à conclusão que
glorificação e santificação formam uma unidade. Tanto a glorificação de Deus
quanto a santificação das pessoas caracterizam o culto cristão.
Peter Brunner, representando
o pensamento luterano, se vale do
termo cunhado por Lutero — Gottesdienst,
que tem tanto a conotação de serviço de Deus aos seres humanos quanto a de
serviço dos seres humanos a Deus. Com respeito ao culto, Brunner cita palavras
do próprio Lutero, “que nele [culto] nenhuma outra coisa aconteça exceto que
nosso amado Senhor ele próprio fale a nós por meio de sua santa palavra e que
nós, por outro lado, falemos com ele por meio de oração e canto de louvor”[1].
Para
os luteranos, o culto é mais do que uma via de mão dupla; ele pressupõe a ação
anterior de Deus e, a partir disso, provoca a resposta do homem. Por isso,
entre os luteranos, se afirma que o culto é teocêntrico
(centralizado em Deus), é cristocêntrico
(centralizado naquilo que Deus fez por nós em Cristo) e espiritocêntrico (centralizado na ação do Espírito Santo pelos meios
da graça).[2]
O
termo liturgia, apesar de clássico e
consagrado, é recente. O termo é pouco encontrado em documentos oficiais da
igreja, ante do século XX, ganhando popularidade somente no século XXI. Muitas
definições, mesmo que tendo sido elaboradas por grandes nomes, mereceram
reparos.
Do
início do movimento litúrgico (1909) até o Concílio Vaticano II (1962-1965), a
maioria dos autores tentou chegar a uma definição de liturgia que englobasse
tanto sua natureza quanto suas características essenciais. A dificuldade de
fazê-lo residia no fato de a liturgia ser “uma realidade ao mesmo tempo viva e
rica. Só participando dela é que pode ser compreendida. Ela não permite ver-se
encerrada em conceitos”.[3]
De
acordo com Arthur A. Just, uma das melhores definições é a que entende o termo leitourgia como sendo um serviço, um
dever de estar na presença do Deus vivo, devido ao que Jesus é — o Ungido de
Deus que veio para realizar a salvação do mundo, e devido ao que nós somos — os
ungidos de Deus que carregam em seus corpos a plenitude da salvação. E nesse
sentido, cristãos se reúnem para fazer liturgia, não para divertir-se — pois
talvez até nem gostem da mesma, não para fazer algo que seja bom para eles,
ainda que fato seja, mas eles se reúnem para fazer algo que é bom para o mundo.
Portanto,
nosso foco litúrgico não é para dentro,
e sim, para fora. Primeiro ele se
dirige a Deus em Cristo por meio do Espírito Santo, depois se dirige para o
mundo ao qual Cristo foi enviado pelo Pai no Espírito para redimir e restaurar
o mundo ao seu Criador.[4]
[1] James F. WHITE, Introdução ao Culto Cristão. São
Leopoldo, IEPG e Sinodal, 1997., pp.14-18.
[2] William J.
SCHMELDER, Por esta Causa me Ponho de
Joelhos - Manual do Líder. Porto Alegre, Concórdia, pp.14 e 15.
[3] Aimé G.
MARTIMORT, A Igreja em Oração -
Introdução à Liturgia. Vol. I. Petrópolis, Vozes, 1988, pp.31-33.
[4] Arthur A. JUST, Liturgy as Pastoral Care. (ensaio não publicado),
1985, pp.3 e 4.
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