B. Sacramentos
Por
bem mais de mil anos não havia consenso sobre quantos sacramentos existiam
precisamente na igreja cristã. Na verdade, o número permaneceu indeterminado ao
longo da maior parte da história do cristianismo.[1]
Surpreendentemente,
as Confissões não se atêm a um número específico de sacramentos. O número de
sacramentos variou com os diferentes teólogos até o fim da Idade Média.
Provindos desse contexto teológico, os confessores não se sentiam obrigados a
especificar o número.[2]
As Confissões, no entanto, reconhecem dois sacramentos como essenciais, e que
se enquadram na definição de Agostinho: “Acresça o verbo ao elemento, e assim
se torna sacramento.”[3]
O
Catecismo Maior, por exemplo, fala de: “nossos dois sacramentos, instituídos
por Cristo.”[4]
Apesar da posição comumente mantida de que dois e, exclusivamente dois, podem
ser considerados sacramentos, as Confissões parecem mais inclinadas a
estabelecer o número de três, incluindo a absolvição entre os sacramentos.[5]
Outros ritos, como ordenação e casamento, às vezes, também recebem o nome de sacramento.[6]
A confirmação, no entanto, é explicitamente excluída como sacramento.[7]
As
Confissões enfatizam que Palavra e Sacramentos são meios da graça e constituem
os sinais da igreja.[8]
É com base na Palavra e nos Sacramentos que se estabelece a verdadeira unidade
da igreja. Sem Palavra e Sacramento, não há igreja, não há povo de Deus.
Na
teologia luterana a proclamação da Palavra tem significado sacramental. A
proclamação da palavra do perdão nos sermões não é pensada como sendo uma aula
de religião. Não é mera instrução moral. A proclamação da Palavra é viva vox evangelii. Pela Palavra o
perdão é veiculado. Pela Palavra a vida eterna é concedida mediante o Espírito
atuante na Palavra. De certa forma, a Palavra é um Sacramento último, pois o
Santo Batismo, o Sacramento do Altar e a Absolvição, estão na dependência dessa
Palavra de Deus. Ouvir a Palavra falada e proclamada é ouvir o próprio Cristo,
que diz: “quem vos der ouvidos, ouve-me a
mim; e, quem me ouvir, ouve aquele que me enviou.”(Lc 10.16).[9]
Esta
visão sacramental da Palavra não elimina a necessidade dos Sacramentos. Eles
foram instituídos por Cristo e atendem uma profunda necessidade na vida das
pessoas. No Catecismo Maior, Lutero diz: “assim
a fé se apega à água, crendo que é o batismo, em que há pura salvação e vida.
Não pela água... mas porque está unida a Palavra e a ordem de Deus. Aquilo a
que a fé adere e com a qual está ligada... tem de ser natureza externa, para
que se possa captá-la e compreendê-la com os sentidos e a fim de que mediante
isso se possa levá-la ao coração. Pois que o evangelho todo é pregação externa,
oral.”[10]
Os
confessores tinham a convicção de que se o povo fosse instruído apropriadamente
quanto ao valor e aos frutos dos Sacramentos, seriam movidos a usá-los frequentemente.
Melanchthon afirmou com absoluta certeza na Apologia: “em nossas igrejas muitos certamente usam muitas vezes por ano dos
sacramentos, da absolvição e da ceia do Senhor.”[11]
As
Confissões tinham como pressuposto de que, ordinariamente, o celebrante da Santa
Ceia fosse um ministro ordenado. A autoridade de administrar os Sacramentos faz
parte da autoridade com o qual o ministro foi investido por ocasião de sua
ordenação. Como um servo da Palavra, chamado e ordenado, o ministro celebrante
dos Sacramentos está atuando como agente de Deus. Entretanto, o Tractatus
concede que, em caso de emergência, um leigo possa absolver e tornar-se
ministro e pastor para o seu semelhante.[12]
Quais
são os propósitos dos Sacramentos? Um dos seus propósitos é identificar a igreja.
Onde os Sacramentos estão sendo celebrados e administrados, aí o cristão sabe
que a igreja existe.[13]
Mas, eles fazem mais do que isso: os Sacramentos operam remissão dos pecados,
vida e salvação.[14]
Os
Sacramentos não são uma invenção da igreja. São uma instituição de Cristo. Pela
instituição de Cristo, eles se tornam válidos e eficazes, independente da fé ou
da descrença. A santidade ou imoralidade, tanto do ministro quanto do
participante do sacramento, não afetam a sua validade.[15]
Os Sacramentos, porém, não alcançam seu fim próprio, ou seja, a justificação,
pela mera execução do rito. Para alcançarem o seu fim, a justificação, os
Sacramentos requerem fé por parte de quem os usa. Os Sacramentos foram
instituídos para despertar e confirmar a fé daqueles que fazem uso dos mesmos.[16]
[1] James F. WHITE, op. cit., pp.133 e137. Em seu livro,
WHITE aborda o assunto amplamente, cf. pp.133-152.
[2] Livro de Concórdia, Ap XIII, p.223.2.
[4] Id. Ibid., CM IV, p.474.1.
[5] Id. Ibid., Ap XIII, p.223.4.
[6] Id. Ibid., Ap XIII, p.224.11 e
p.225.14-15.
[7] Id. Ibid., Ap XIII, p.224.6.
[8] Id. Ibid., Ap XXIV, p.280.69; VII e
VIII, p.177.3 e 5.
[9] Id. Ibid., Ap VII e VIII, p.182.28.
[10] Id. Ibid., CM IV, p.478.29-30.
[11] Id. Ibid., Ap XI, p.190.3
[12] Id. Ibid., Tractatus, p.356.67. “A
Reforma trouxe a percepção de que todos os cristãos poderiam exercer um papel
sacerdotal confessando e perdoando-se uns aos outros. Porém muitas vezes onde o
poder está à disposição de todos, ele não é exercido por ninguém. Todas as
tradições protestantes julgaram necessários padrões de disciplina e julgamento,
embora os meios de execução variassem. Calvino vinculou à eucaristia a ação
disciplinar de excluir da comunhão (i.e, excluir pecadores notórios 1 Co
11.27), sendo que Wesley exigia tíquetes de comunhão dos membros de suas
classes. Ambas as práticas sobrecarregavam a eucaristia com um indevido fardo
disciplinar.” J.F. WHITE, op. cit., p.209.
[13] Livro de Concórdia., CA, p.34.1.
[14] Id. Ibid., Ap XII, p.197.42; XIII, p.225.14; XXIV, p.276.49.
[15] Id. Ibid., Ap VII e VIII, p.177.3,
p.180.19; CM IV, p.487.16 - p.488.17.
[16] Id. Ibid., Ap XIII, p.225.18; XXIV, p.280.68; CA XIII, p.34.1-2; XXIV,
p.46.30; Ap XII, p.194.12, p. 195.25.
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