quinta-feira, 7 de setembro de 2017

Culto Luterano - Santa Ceia

2. A Santa Ceia
As Confissões chamam o Sacramento do Altar por uma variedade de nomes. Ela é conhecida como a Ceia, Ceia do Senhor, Santa Ceia, o Sacramento, o mui venerável Sacramento, o Santo Sacramento, o Sacramento do Altar, a Missa. Com menor frequência é também chamada de Comunhão, o Corpo do Senhor, Eucaristia,[1] Liturgia, Synaxis e Agape.[2] Surpreendentemente, a construção “Santa Comunhão”, o termo mais corrente e preferido nos EUA, nunca ocorre nesta forma nas Confissões. Quer parecer que tenha sido importado para dentro da Igreja da Confissão Augsburgo a partir da Igreja da Inglaterra. É com boa razão que o Lutheran Worship preferiu o nome Culto Divino (Gottestdienst) para o culto principal da igreja.
Os elementos terrenos no Sacramento do Altar são pão e vinho.[3] As Confissões não especificam o tipo de pão ou vinho. Historicamente, todavia, os Luteranos desejaram depreciar a simbólica associação do pão e o vinho, a qual poderia dar a impressão que o corpo e sangue de Cristo estavam sendo meramente simbolizados com pão e vinho. Por esta razão se manteve a hóstia e se deu preferência ao vinho branco ou âmbar, ao invés do vinho sacramental vermelho na Igreja Luterana.
Espera-se que os comungantes recebam ambos, pão e vinho. Esses elementos visíveis do pão e vinho não devem ser adorados no Santo Sacramento.[4]
À base de nossa doutrina, com respeito ao Sacramento do Altar, são as Palavras da Instituição. Essas palavras são a Palavra de Deus no Santo Sacramento. É quando esta Palavra de Deus vem aos elementos que ele se torna um sacramento. Nossas confissões citam com aprovação essa máxima teológica de Santo Agostinho.[5] As Palavras da Instituição devem ser entendidas em seu sentido pleno e não de forma simbólica ou sentido metafórico.[6]
Para ser uma celebração válida do Sacramento do Altar, as Palavras da Instituição devem ser usadas para consagrar os elementos. Essas palavras de Cristo são eficazes mesmo em face de uma descrença ou imoralidade tanto por parte do celebrante como do comungante. O corpo e o sangue estão verdadeiramente presentes no Sacramento do Altar, e os comungantes recebem o corpo e o sangue do Senhor oralmente, não meramente de forma espiritual. Alguns recebem o Sacramento para salvação, fielmente crendo na palavra e promessa de Cristo. Outros, recebem o corpo e o sangue para seu próprio juízo, não discernindo ou reconhecendo o corpo e o sangue do Senhor, já que não têm fé.[7]
Se Cristo está presente no Sacramento, qual tipo de presença é essa? Esse problema foi uma preocupação para os teólogos na Idade Média. As Confissões definem, de forma mais ampla, o modo da presença do Senhor em termos negativos. As Confissões negam a teoria da transubstanciação. Elas negam a mudança de essência, tanto dos elementos terrenos ou celestes. Elas condenam um confinamento local para o corpo e o sangue de Cristo nos elementos terrenos. Elas condenam qualquer tipo de interpretação que sugira uma “ausência real” do corpo e o sangue de Cristo.[8]
Afirmamos a Presença Real. A pergunta, então, passa a ser como essa presença é possível? Aqui mantemos o nosso intelecto cativo em obediência a Cristo, assim como o fazemos em outros artigos de fé, aceitando esse mistério unicamente pela fé, assim como está revelado na Palavra.
Quando essa Presença Real ou união sacramental acontece? Os Livros Simbólicos não discutem o momento quando essa união sacramental inicia ou termina, com exceção da afirmação que se encontra na Fórmula de Concórdia, artigo VII, de que ela não acontece à parte do uso do Sacramento, conforme divinamente instituído. Ou seja, a consagração, a distribuição e a recepção oral. O fato simples é que, no Sacramento do Altar, o pão e o vinho são o corpo e o sangue de Cristo.
O propósito do Sacramento é conferir o perdão dos pecados no sentido mais pleno do termo. Mas o efeito do Sacramento é descrito de muitas outras maneiras: nossa fé é fortalecida em nós; lembramos os benefícios de Cristo e os recebemos por fé, de modo que somos renovados por meio deles; recebemos a garantia de que somos incorporados em Cristo, unidos a Ele e lavados pelo Seu sangue. O Sacramento do Altar é um remédio contra o pecado, a carne, o diabo, o mundo, a morte, o perigo e o inferno, e uma aplicação da graça, da vida, do paraíso, do céu, de Cristo, de Deus, e de todo o bem; um salva-guarda contra a morte e todos os males, um alimento para a alma, um nutrimento e um fortalecimento do novo homem, um pasto e um sustento diário, uma renovação da nossa fé nas lutas da vida, e um precioso antídoto contra o veneno da fraqueza.[9]
Uma das controvérsias cruciais da Reforma girou em torno do sacrifício. As Confissões afirmam que a Ceia do Senhor não é um sacrifício expiatório a ser aplicado em favor dos vivos e dos mortos. Entretanto, as Confissões também afirmam de que a Ceia do Senhor é um sacrifício de louvor e gratidão. No artigo XXIV da Apologia, Melanchthon claramente propõe o termo “sacrifício”. A cerimônia sacramental, como se afirma, é um sacrifício de louvor e ação de graças a Deus por todos os seus benefícios: “assim como entre os sacrifícios de louvor, isto é, entre os louvores de Deus, incluímos a pregação da palavra, assim pode ser louvor ou ação de graças o próprio recebimento da Ceia do Senhor.”[10]
O Sacramento é para ser celebrado na Igreja com grande reverência e obediência, até o fim do mundo. Os Confessores estavam convencidos de que eles celebravam a missa com maior dignidade e devoção, do que fizeram seus oponentes.
As Confissões enfatizam os aspectos corporativos da celebração sacramental. Sacerdotes, por exemplo, foram advertidos contra a celebração exclusiva de missas privadas, com a finalidade de celebrarem a sua própria Comunhão. O ideal, de acordo com os Livros Simbólicos, é a missa comum ou pública, na presença de toda a congregação no culto principal, pelo menos todos os Domingos e Dias Santos.[11] Com a restauração do Sacramento do Altar ao seu lugar histórico na vida da igreja, celebrações diárias privativas da Santa Ceia, realizadas à parte do culto corporativo, sem a presença do povo, ficam difíceis de ser sustentadas. Considerando que a celebração dominical tornou-se a norma, as Confissões indicam que o mesmo deve ser celebrado tão frequentemente quanto os comungantes o desejarem. A partir desta concepção, as Confissões contemplam a possibilidade de celebrá-lo diariamente.[12]
Entretanto, nenhuma regra pode ser estabelecida quanto à frequência da participação. Não há exceção quanto a esse princípio. As Confissões levemente tocam na questão da pessoa que permanece longe do Sacramento por um ano ou mais. Para assegurar que isto não aconteça, os ministros devem exortar os leigos à Comunhão frequente.[13] E, contrariamente à prática contemporânea, o celebrante pode receber o Sacramento de suas próprias mãos durante o culto.[14]



[1] Segundo WHITE, o termo eucaristia tem sido usado desde o final do século 1., op. cit., p.175.
[2] Livro de Concórdia, Ap XXIV, p.282.78 - p.284.88; CM IV, p.490.39.
[3] Id. Ibid., Ap X, p.188.1; Cm VI, p.378.1 e 2; FC DS VII, p.611.9.
[4] Id. Ibid., FC Epítome, p.523.40; FC DS VII, p.633.126.
[5] Conferir acima a nota de no 37.
[6] Livro de Concórdia., FC Epítome VII, p.519.7; FC DS VII, p.617.38 e 39.
[7] Id. Ibid., CM IV, p.493.61 e 69; FC Epítome VII, p.521.18; FC DS VII, p.621.60 e p. 623.68.
[8] Id. Ibid., AE III - VI, p.334.5; FC DS VII, p. 612.14, p.616.35.
[9] Id. Ibid., Ap XXIV, p.285.90; CM IV, p.488.23 e 24, p.493.68; FC DS VIII, p.650.76.
[10] Id. Ibid., Ap XXIV, p.273.33.
[11] Id. Ibid., Ap XXIV, p.266.6; AE II.II, p.314.8.
[12] James F. WHITE observa que: “a tentativa da maioria dos reformadores de restaurar a comunhão freqüente para os leigos teria sido um ganho formidável para os leigos, não fosse essa uma mudança demasiadamente radical em relação à prática medieval tardia de recepção pouco freqüente do sacramento...Porém alcançaram ganhos claros no culto sacramental por meio de ritos vernaculares simplificados, maior participação da congregação, canto comunitário, leigos bem catequizados e uma nova ênfase na pregação da palavra.” Op. cit., p.144.
[13] Id. Ibid., Cm Prefácio,p.365.21 e 22.
[14] Segundo Luther D. REED, Lutero não só aprovava a auto-comunhão, como repetidamente a defendeu (deinde communicet tum sese, tum populum) [Formula Missae]. E, por quase duas gerações este ato litúrgico era comum nos cultos luteranos. Mais tarde, com o declínio da percepção e do conhecimento litúrgico, o biblicismo dogmático e o subjetivismo pietista provocaram seu abandono. Contudo, os dogmáticos, permitem seu uso quando não há um outro ministro presente na celebração. E os Artigos de Esmalcalde [parte II, artigo 2] proíbem a auto-comunhão apenas quando envolve a recepção à parte da congregação. Ainda, segundo Reed, Chemnitz afirma que assim como o ministro se inclui na Confissão e Absolvição, ele também pode se incluir na Comunhão. O ministro não deveria ser exigido a participar de todas as celebrações, nem deveria ser impedido de comungar sempre que desejasse. (The Lutheran Liturgy, p.372).

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