III - A Teologia do Culto nas Confissões Luteranas[1]
A. O Culto em Geral
A
Igreja Luterana é, por definição, uma igreja confessional. Ela nasceu em
confissão e vive por suas confissões. A Igreja da Confissão de Augsburgo
necessita tratar com seriedade o que as Confissões têm a dizer a respeito da
pregação da Palavra, e a respeito da celebração dos Sacramentos. A teologia
confessional deve ser o fundamento e a razão do nosso culto, pois é Deus quem,
por meio do Evangelho — Palavra e Sacramentos, nos chama para Sua Igreja.[2]
Onde a Palavra de Deus e os Sacramentros estão presentes, ali está a Igreja.[3]
Esta postura confessional é a base do Culto
Luterano.
Devido
a essa base confessional, necessitamos rever o que as Confissões dizem a
respeito do Culto e dos Sacramentos. O culto não é um programa dentre muitos
outros. Na verdade, ele é a vida da Igreja. Nossos livros simbólicos nos
ensinam que o culto, na sua essência, é uma expressão de fé em Deus por meio de
Cristo. Fé em Deus por meio de Cristo se expressa em culto.[4]
Portanto, só pode haver culto verdadeiro, por parte daqueles que reconhecem e
aceitam Jesus como o Cristo.[5]
Considerando
que o culto inclui tanto fé como exercícios e sinais de fé, ele não deve ser
entendido como algo que se restringe a ritos e cerimônias religiosas. O culto
inclui a inteira vida de fé do cristão. Tudo aquilo que o cristão diz, faz e
pensa em fé sincera, é culto a Deus.
Mas
qual é então o significado e a importância das cerimônias religiosas externas?
Cerimônias externas, que tenham sido instituídas por homens, no verdadeiro
sentido da palavra não são culto.[6]
Mas isso não significa que cerimônias externas não sejam importantes.[7]
De fato, em tempo de perseguição, cerimônias externas intrinsecamente
indiferentes, se tornam muito importantes. A adoção ou o abandono de tais
cerimônias pode se tornar um ato de apostasia e pecado. Isso fica muito claro
durante os ínterins entre Augsburgo e Leipzig, sendo finalmente estabelecido
pelo artigo X da Fórmula de Concórdia.
Cerimônias
humanas, embora não sejam em si mesmas culto, são importantes porque somos
carne e sangue, seres humanos que vivem num mundo de realidade física.
Precisamos levar a sério essa realidade física. A forma como sentamos, ficamos
em pé, ajoelhamos, ou juntamos nossas mãos, fazem diferença. Cerimônias
externas são condições necessárias do culto corporativo. Não podemos, todavia,
ser levados a crer que cerimônias humanamente instituídas possam ser oferecidas
a Deus com a intenção meritória de perdão e graça.[8]
Nosso
culto é propriamente dirigido ao Deus triúno, o qual é o objeto de nosso culto.
Este culto é oferecido a Deus em e por meio de Jesus Cristo. E é propriamente
entendido como um sacrifício de louvor e ação de graças.[9]
A fé em Jesus Cristo, cerne do verdadeiro culto, está intimamente ligada aos
meios da graça. É mediante dos meios da graça que a fé é criada e nutrida, pois
a fé vem pelo ouvir das graciosas promessas de Deus.[10]
As
cerimônias externas ligadas com o culto, servem de fato a um útil propósito.
Servem para ensinar os jovens. Servem também para identificar a igreja diante
da sociedade que a cerca. Elas são veículos de devoção privada e corporativa[11].
Se, portanto, as cerimônias devem ter esse valor, as mesmas devem ser
entendidas e explicadas. O dever de ensinar e pacientemente explicar as
cerimônias do culto, é responsabilidade da família cristã, da escola cristã e
da congregação cristã.[12]
É
preciso salientar que as cerimônias da igreja da Confissão de Augsburgo não são
inovações. As cerimônias e o culto eclesiástico e litúrgico da Igreja Luterana
são, por definição confessional, consciente e determinantemente parte da Igreja
católica. Na verdade, face às grandes pressões dos iconoclastas, os confessores
luteranos seguiram um princípio litúrgico bastante conservador. As Confissões,
explicitamente, se manifestam pela retenção do sistema de perícopes, dos
sermões no culto, do ordinário da missa medieval, dos cânticos, do Domingo, do
Ano da Igreja, das festas, das coletas (orações do dia), das vestes
eucarísticas, das velas, dos altares, do cântico do saltério, sinal da cruz, do
juntar as mãos para a oração e do ajoelhar.[13]
Contudo, tendo afirmado tudo isso, também precisamos dizer que os ritos
herdados da igreja medieval, foram de forma geral, simplificados, o que levou a
deixar fora muitas cerimônias que haviam perdido o seu valor.[14]
Se,
portanto, as Confissões Luteranas têm a expectativa que cerimônias sejam usadas
no culto, onde está a autoridade para regulamentar tais cerimônias do culto
público? Esta autoridade está investida na igreja.[15]
Investida na igreja, a autoridade para regulamentar as cerimônias do culto
público, de acordo com os Livros Simbólicos, é exercida pelos seus ministros.[16]
Isto está sujeito a certas restrições. Questões que são estabelecidas por
direito divino não podem ser modificadas.[17]
Nada pode ser feito contrário ao Evangelho. Mudanças em cerimônia devem ser
feitas cuidadosa e prudentemente.[18]
Ministros não podem estabelecer qualquer cerimônia como necessária à salvação
ou, com a intenção meritória do perdão.[19]
Nem podem os ministros mudar cerimônias com a intenção de sugerir de que não
existe diferença entre a Igreja da Confissão de Augsburgo e outras.[20]
[1] Esse capítulo está baseado na obra de Arthur Carl
PIEPKORN, What the Symbolical Books of
the Lutheran Church Have to Say About Worship and the Sacraments. Saint
Louis, Concordia Publishing House, 1952.
[2] Livro de Concórdia, Cm II, p.371.6.
[3] Id. Ibid., CA VII, p.31.1-2.
[4] Id. Ibid., Símbolo de Atanásio, p.20.3 e
Ap IV, p.144.228 e p.161.310.
[5] Id. Ibid., CM, p.396.17-21.
[6] Id. Ibid., FC Epítome, p.530.3, p.531.8-9; FC DS, p.656.8.
[7] Id. Ibid., CM, p.409.92 e 94.
[8] Id. Ibid., Ap XV, p.229.11-12; CA, p.70.3-4; AE III.XV, p.339.1-2.
[9] Id. Ibid., Ap XXIV, p.269.18-19, p.270.21-25, p.271.27-33, p.277.52-56; Ap
IV, p. 174.385.
[10] Id. Ibid., Ap XXIV, p.273.33-34; CA
XXIV, p.78.5 e 8.
[11] Id. Ibid., Ap XXIV, p.266.3; XV, p.229.13; CA XXIV, p.45.2-3.
[12] Id. ibid., Ap XXIV, p.266.2-5.
[13] Id. Ibid., CA XV, p.70.1; XX, p.74.40;
XXIV, p.78.1-2; XXVI, p.84.40; Ap XV, p.233.40-43; XXIV, p.266.1-2 e p.277.50-51;
Cm, p.379.1-11; CM, p.405.74.
[14] Id. Ibid., CA XXIV, p.78.13; AE II.II,
pp.313.1-317.24; CM Prefácio, p.387.3.
[15] Id. Ibid., FC DS, X, p.656.9.
[16] Id. Ibid., CA XXVIII, p.90.53-57.
[17] Id. Ibid., CA XXVIII, p.89.34.
[18] Id. Ibid., FC Epítome X, p.530.5, p.531.12; FC DS, X, p.656.9, p.659.25,
p.660.30.
[19] Id. Ibid., Ap XV, p.232.31.
[20] Id. Ibid., Ap XXVIII, p.302.14 - p.303.20.
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