As 95 teses
Naqueles dias a igreja entregou-se ao nefasto comércio das indulgências (recibos de perdão dos pecados, comprados com dinheiro). João Tetzel, vendedor dessas indulgências na Alemanha, chegou a
Wittenberg. Ali insistia junto ao povo que comprasse perdão para todos os pecados, passados, presentes e futuros. Alguns membros da igreja de Lutero compraram-nas e não se importaram mais em se arrepender dos pecados. Lutero, em consequência disso, lhes negou a Santa Ceia. Disse-lhes que, se não se arrependessem, Deus não lhes perdoaria os pecados, pois as indulgências não tinham nenhum valor diante de Deus.
Muito entristecido com o que estava acontecendo, Lutero pregou nos domingos seguintes com veemência, chamando o povo ao arrependimento. Por fim escreveu 95 teses (proposições) para serem discutidas em público, em que condenava a venda de indulgência.
No dia 31 de outubro de 1517, pregou essas teses na porta da catedral, para que todos as pudessem ler. Numa delas ele afirmava:
Cada cristão que se arrepende de seus pecados, tem perdão dos mesmos, não necessitando das indulgências.
Milhares de pessoas, ricas e pobres, vibraram de alegria, vendo a coragem com que Lutero combatia os erros da Igreja.
Conheça as 95 teses - com breves comentários
1. Ao dizer: "Fazei penitência", etc. [Mt 4.17], o
nosso Senhor e Mestre Jesus Cristo quis que toda a vida dos fiéis fosse
penitência.
2. Esta penitência não pode ser entendida como penitência
sacramental (isto é, da confissão e satisfação celebrada pelo ministério dos
sacerdotes).
3. No entanto, ela não se refere apenas a uma penitência
interior; sim, a penitência interior seria nula, se, externamente, não
produzisse toda sorte de mortificação da carne.
4. Por consequência, a pena perdura enquanto persiste o ódio
de si mesmo (isto é a verdadeira penitência interior), ou seja, até a entrada
do reino dos céus.
[Lutero nega que as indulgências possam livrar alguém das
penas terrestres.]
5. O papa não quer nem pode dispensar de quaisquer penas
senão daquelas que impôs por decisão própria ou dos cânones.
6. O papa não pode remitir culpa alguma senão declarando e
confirmando que ela foi perdoada por Deus, ou, sem dúvida, remitindo-a nos
casos reservados para si; se estes forem desprezados, a culpa permanecerá por
inteiro.
[5-6: Lutero mostra que o papa não tem nenhuma autoridade
além daquela dada por Jesus. É, no mínimo, uma atitude de esclarecer à
autoridade (da igreja).]
7. Deus não perdoa a culpa de qualquer pessoa sem, ao mesmo
tempo, sujeitá-la, em tudo humilhada, ao sacerdote, seu vigário.
[7: Deus perdoa por graça. Qualquer coisa. A qualquer
pessoa. Assim as indulgências erram a ignorar esta graça. Já se pode perceber
diferença do pensamento romano.]
8. Os cânones penitenciais são impostos apenas aos vivos;
segundo os mesmos cânones, nada deve ser imposto aos moribundos.
9. Por isso, o Espírito Santo nos beneficia através do papa
quando este, em seus decretos, sempre exclui a circunstância da morte e da
necessidade.
10. Agem mal e sem conhecimento de causa aqueles sacerdotes
que reservam aos moribundos penitências canônicas para o purgatório.
(“O purgatório, um estado de penitência e purificação entre
a morte e o juízo final, é, para a doutrina católico-romana, o local para o
pagamento das penas decorrentes dos pecados. Estas penas podem ser parcial ou
totalmente eliminadas pelas indulgências. No mundo cristão, a doutrina do
purgatório surge primeiro em Orígenes, no século II. Em 1517 Lutero ainda
aceita a doutrina do purgatório. Mais tarde irá abandoná-la completamente.)
11. Essa erva daninha de transformar a pena canônicaem pena
do purgatório parece ter sido semeada enquanto os bispos certamente dormiam.
[11: Lutero parece não acreditar que as indulgências tenham
entrado à igreja com a permissão dos bispos.]
12. Antigamente se impunham as penas canônicas não depois,
mas antes da absolvição, como verificação da verdadeira contrição.
[Lutero está rebatendo a venda de indulgências para livrar
do purgatório até mesmo aos que já morreram. Segundo sua concepção (aqui ainda
não contra o purgatório) só se pode fazer alguma coisa para livrar-se da
condenação aqui na terra.]
13. Através da morte, os moribundos pagam tudo e já estão
mortos para as leis canônicas, tendo, por direito, isenção das mesmas.
[Lutero reafirma que só aos vivos é dada a oportunidade da
salvação.]
14. Saúde ou amor imperfeito no moribundo necessariamente
traz consigo grande temor, e tanto mais, quanto menor for o amor.
15. Este temor e horror por si sós já bastam (para não falar
de outras coisas) para produzir a pena do purgatório, uma vez que estão
próximos do horror do desespero.
16. Inferno, purgatório e céu parecem diferir da mesma forma
que o desespero, o semidesespero e a segurança.
[Claramente se vê que Lutero ainda aceita o purgatório,
afinal, esta era uma doutrina oficial da igreja que ele ainda não tinha
aprofundado o conhecimento. Mais tarde, por causa da Escritura, Lutero rejeita
a existência do purgatório.]
17. Parece necessário, para as almas no purgatório, que o
horror diminua na medida em que cresce o amor.
18. Parece não ter sido provado, nem por meio de argumentos
racionais nem da Escritura, que elas se encontram fora do estado de mérito ou
de crescimento no amor.
19. Também parece não ter sido provado que as almas no purgatório
estejam certas de sua bem-aventurança, ao menos não todas, mesmo que nós, de
nossa parte, tenhamos plena certeza.
[17-19: Lutero começa com “Parece”, ele não afirma.
Demonstrando um caráter pacífico.]
20. Portanto, sob remissão plena de todas as penas, o papa
não entende simplesmente todas, mas somente aquelas que ele mesmo impôs.
[Lutero não entra no mérito da autoridade do papa, mas diz
claramente que ele só pode entender sobre as penas que ele mesmo impôs, ou
seja, não pode ministrar sobre as penas do purgatório.]
Depois de uma introdução de 20 teses, Lutero bate de frente
com os vendedores de indulgências.
21. Erram, portanto, os pregadores de indulgências que
afirmam que a pessoa é absolvida de toda pena e salva pelas indulgências do
papa.
22. Com efeito, ele não dispensa as almas no purgatório de
uma única pena que, segundo os cânones, elas deveriam ter pago nesta vida.
[Para afirmar sua tese Lutero, acreditando no purgatório,
usa este como argumento. O que não for pago em vida será ali pago.]
23. Se é que se pode dar algum perdão de todas as penas a
alguém, ele, certamente, só é dado aos mais perfeitos, isto é, pouquíssimos.
[Lutero parece aceitar que existam perfeitos. Isso pode ser
classificado como uma clara leitura de sua educação romana. Lutero ainda não
entende o homem como completamente corrompido e completamente justificado.]
24. Por isso, a maior parte do povo está sendo
necessariamente ludibriada por essa magnífica e indistinta promessa de
absolvição da pena.
[Acusa as indulgências de serem enganação.]
25. O mesmo poder que o papa tem sobre o purgatório de modo
geral, qualquer bispo e cura tem em sua diocese e paróquia em particular.
[O papa não detém o poder das chaves, poder que é usado
para assegurar a validade das indulgências. O poder do papa é o mesmo que
qualquer cristão: interceder pelos outros. Neste caso, até mesmo pelos mortos
que estão no purgatório. Parece contestar a autoridade superior do papa, mas
considerando o caráter destes escritos não nos atreveríamos a afirmar isso a
essa época. Mas poderíamos argumentar que essa tese leva a entender que cada
bispo e cura é um papa em seu território de domínio. A tese não é clara quanto
à autoridade do papa e nem é isso que se está discutindo neste documento.]
26. O papa faz muito bem ao dar remissão às almas não pelo
poder das chaves (que ele não tem), mas por meio de intercessão.
27. Pregam doutrina humana os que dizem que, tão logo
tilintar a moeda lançada na caixa, a alma sairá voando [do purgatório para o
céu].
[Segundo o pesquisador católico Nicolau Paulus, o pregador
dominicano João Tetzel realmente anunciou em suas pregações a frase: “Antes que
o dinheiro tilinte na caixa, a alma salta do purgatório.”]
28. Certo é que, ao tilintar a moeda na caixa, podem
aumentar o lucro e a cobiça; a intercessão da Igreja, porém, depende apenas da
vontade de Deus.
[Lutero contrapõe a vontade de Deus à cobiça da Igreja.]
29. E quem é que sabe se todas as almas no purgatório querem
ser resgatadas? Dizem que este não foi o caso com S. Severino e S. Pascoal.
30. Ninguém tem certeza da veracidade de sua contrição,
muito menos de haver conseguido plena remissão.
[Aqui está implícita a luta pela remissão dos pecados que
cada um deveria ter na fé católica.]
31. Tão raro como quem é penitente de verdade é quem adquire
autenticamente as indulgências, ou seja, é raríssimo.
[Lutero não diz que as indulgências não sejam possíveis, mas
que são quase. Uma vez mais não é polêmico e sim pacífico.]
32. Serão condenados em eternidade, juntamente com seus
mestres, aqueles que se julgam seguros de sua salvação através de carta de
indulgência.
[Demonstração de que não aceita de forma alguma as
indulgências e ainda condena que as espalha, atrapalhando as consciências.]
33. Deve-se ter muita cautela com aqueles que dizem serem as
indulgências do papa aquela inestimável dádiva de Deus através da qual a pessoa
é reconciliada com Deus.
34. Pois aquelas graças das indulgências se referem somente
às penas de satisfação sacramental, determinadas por seres humanos.
35. Não pregam cristãmente os que ensinam não ser necessária
a contrição àqueles que querem resgatar ou adquirir breves confessionais.
[As confessionalia, “breves confessionais”, eram parte
importante das graças relacionadas com a proclamação das indulgências
jubilares. Quem comprasse tal privilégio adquiria o direito de escolher um
confessor, ao qual haviam sido concedidas autorizações ( faculdades) especiais
para a absolvição. Além disso, adquiria uma indulgência plenária para ser usada
uma vez na vida e para a hora da morte. Os confessores indicados, quando da
venda de uma tal bula extraordinária, tinham a autoridade de conceder dispensa
também nos casos reservados ao papa e de transformar promessas especialmente
severas em outras de menor peso. Além disso, podiam autorizar a retenção de
bens ilegitimamente adquiridos, de matrimônios entre pessoas inabilitadas
devido a certos graus de parentesco, etc. - As breves confessionais davam à
pessoa a segurança de que na hora da morte poderiam se livrar do castigo eterno
ou do purgatório. Ainda poderiam escolher a quem melhor lhes parecia para
confessar.]
36. Qualquer cristão verdadeiramente arrependido tem direito
à remissão pela de pena e culpa, mesmo sem carta de indulgência.
[Qualquer cristão pode ser salvo, não apenas os que compram
indulgências.]
37. Qualquer cristão verdadeiro, seja vivo, seja morto, tem
participação em todos os bens de Cristo e da Igreja, por dádiva de Deus, mesmo
sem carta de indulgência.
[A graça é dada por Deus mediante Cristo.]
38. Mesmo assim, a remissão e participação do papa de forma
alguma devem ser desprezadas, porque (como disse) constituem declaração do
perdão divino.
[O papa não deve ser ignorado, mas somente porque declara o
que Deus já deu.]
39. Até mesmo para os mais doutos teólogos é dificílimo
exaltar perante o povo ao mesmo tempo, a liberdade das indulgências e a
verdadeira contrição.
[A indulgência dificulta a interpretação de pecado. As
consciências podem sentir-se tranquilas apesar de quaisquer pecados. Não há
contrição. Há suborno.]
40. A verdadeira contrição procura e ama as penas, ao passo
que a abundância das indulgências as afrouxa e faz odiá-las, pelo menos dando
ocasião para tanto.
[Os que procuram indulgências estão tentando escapar da
culpa através de meios não lícitos. Está implícito o pensamento de que se pode
pagar pelos pecados cometidos.]
41. Deve-se pregar com muita cautela sobre as indulgências
apostólicas, para que o povo não as julgue erroneamente como preferíveis às
demais boas obras do amor.
[Lutero contrapõe as boas obras às indulgências. São
preferíveis as obras. Lutero ainda está no pensamento romano de que as obras
são necessárias para a salvação.]
42. Deve-se ensinar aos cristãos que não é pensamento do
papa que a compra de indulgências possa, de alguma forma, ser comparada com as
obras de misericórdia.
[Lutero afirma que o papa não corrobora com as indulgências.
Lutero pensa ter o apoio papal ao discutir estas questões. Na época julga poder
usar a opinião papal contra seus adversários. Somente alguns anos mais tarde é
que verá que estava enganado.]
43. Deve-se ensinar aos cristãos que, dando ao pobre ou
emprestando ao necessitado, procedem melhor do que se comprassem indulgências.
[Uma vez mais Lutero afirma que é melhor fazer boas obras do que comprar indulgências.]
44. Ocorre que através da obra de amor cresce o amor e a
pessoa se torna melhor, ao passo que com as indulgências ela não se torna
melhor, mas apenas mais livre da pena.
[As indulgências são fuga da pena.]
45. Deve-se ensinar aos cristãos que quem vê um carente e o
negligencia para gastar com indulgências obtém para si não as indulgências do
papa, mas a ira de Deus.
[Comprar indulgências traz a ira de Deus, pois é preferível
usar o dinheiro para ajudar ao necessitado. Lutero afirma claramente que
(segundo o pensamento romano) para livrar-se do purgatório e inferno é
necessário que se faça obras, ao invés de tentar fugir do castigo buscando as
indulgências.]
46. Deve-se ensinar aos cristãos que, se não tiverem bens em
abundância, devem conservar o que é necessário para sua casa e de forma alguma
desperdiçar dinheiro com indulgência.
[Lutero entende que Deus dá bens às pessoas para que elas
possam viver e cuidar dos seus. Não se deveria gastar com indulgências se vai
faltar em casa. Isso vai contra o princípio de se comprar a indulgência para
livrar-se do castigo eterno.]
47. Deve-se ensinar aos cristãos que a compra de
indulgências é livre e não constitui obrigação.
[Lutero aceita as indulgências (devemos lembrar que Lutero
aceita a autoridade do papa), mas afirma que não devem ser forçadas e sim
oferecidas.]
48. Deve-se ensinar aos cristãos que, ao conceder
indulgências, o papa, assim como mais necessita, da mesma forma mais deseja uma
oração devota a seu favor do que o dinheiro que se está pronto a pagar.
49. Deve-se ensinar aos cristãos que as indulgências do papa
são úteis se não depositam sua confiança nelas, porém, extremamente
prejudiciais se perdem o temor de Deus por causa delas.
[Lutero é confuso neste argumento. Não define como as
indulgências poderiam ser úteis. Mas ele está seguro de que as indulgências
representam a tentativa de fuga da ira de Deus.]
50. Deve-se ensinar aos cristãos que, se o papa soubesse das
exações dos pregadores de indulgências, preferiria reduzir a cinzas a Basílica
de S. Pedro a edificá-la com a pele, a carne e os ossos de suas ovelhas.
51. Deve-se ensinar aos cristãos que o papa estaria disposto
— como é seu dever — a dar do seu dinheiro àqueles muitos de quem alguns
pregadores de indulgências extraem ardilosamente o dinheiro, mesmo que para
isto fosse necessário vender a Basílica de S. Pedro.
[50-51: Nas duas teses acima, mais uma vez Lutero defende o
papa. Sugere que este não sabe do que se passa na venda das indulgências. E que
se soubesse não permitiria.]
52. Vã é a confiança na salvação por meio de cartas de
indulgências, mesmo que o comissário ou até mesmo o próprio papa desse sua alma
como garantia pelas mesmas.
53. São inimigos de Cristo e do papa aqueles que, por causa
da pregação de indulgências, fazem calar por inteiro a palavra de Deus nas
demais igrejas. O comissário era uma pessoa comissionada pela Igreja com a
venda de indulgências.
(Durante o período de sua permanência em uma localidade, o
comissário era senhor absoluto sobre a igreja e sobre os sacerdotes.
Determinava quando e onde poderia ser pregado. Podia, além disso, suspender as
indulgências especiais, proibir a confissão, sob pena de excomunhão, designar
confessores de indulgências.)
54. Ofende-se a palavra de Deus quando, em um mesmo sermão,
se dedica tanto ou mais tempo às indulgências do que a ela.
55. A atitude do papa é necessariamente esta: se as
indulgências (que são o menos importante) são celebradas com um toque de sino,
uma procissão e uma cerimônia, o Evangelho (que é o mais importante) deve ser
anunciado com uma centena de sinos, procissões e cerimônias.
[53-55: Nas teses acima Lutero defende o valor da Palavra de
Deus ante as indulgências. Estava se dando muito mais valor às indulgências do
que à Palavra de Deus. Já não era a graça de Deus que salvava e livrava do
castigo eterno, mas simplesmente a indulgência papal.]
56. Os tesouros da Igreja, dos quais o papa concede as
indulgências, não são suficientemente mencionados nem conhecidos entre o povo
de Cristo.
(O tesouro da Igreja é formado pelas obras excedentes de
Cristo e dos santos. Estas obras excedentes estão confiadas à administração
papal como thesaurus bonorum operum. Cabe ao papa distribuí-las a quem delas
necessita. Lutero nega essa concepção na tese 58.)
57. É evidente que eles, certamente, não são de natureza
temporal, visto que muitos pregadores não os distribuem tão facilmente, mas
apenas os ajuntam.
58. Eles tampouco são os méritos de Cristo e dos santos,
pois estes sempre operam, sem o papa, a graça do ser humano interior e a cruz,
a morte e o inferno do ser humano exterior.
[Lutero ainda acredita (como a igreja romana) que os santos
tenham méritos e que os possam compartilhar.]
59. S. Lourenço disse que os pobres da Igreja são os
tesouros da mesma, empregando, no entanto, a palavra como era usada em sua
época.
60. É sem temeridade que dizemos que as chaves da Igreja,
que lhe foram proporcionadas pelo mérito de Cristo, constituem este tesouro.
61. Pois está claro que, para a remissão das penas e dos
casos, o poder do papa por si só é suficiente.
62. O verdadeiro tesouro da Igreja é o santíssimo Evangelho
da glória e da graça de Deus.
[Aqui se sente que Lutero valoriza o Evangelho acima de
todas as coisas que a Igreja possa oferecer.]
63. Este tesouro, entretanto, é o mais odiado, e com razão,
porque faz com que os primeiros sejam os últimos.
64. Em contrapartida, o tesouro das indulgências é o mais
benquisto, e com razão, pois faz dos últimos os primeiros.
[As indulgências servem como fuga da ira divina.]
65. Por esta razão, os tesouros do Evangelho são as redes
com que outrora se pescavam homens possuidores de riquezas.
66. Os tesouros das indulgências, por sua vez, são as redes
com que hoje se pesca a riqueza dos homens.
67. As indulgências apregoadas pelos seus vendedores como as
maiores graças realmente podem ser entendidas como tal, na medida em que dão
boa renda.
[65-67: Nas teses acima Lutero afirma que as indulgências
servem apenas para arrancar dinheiro das pessoas.]
68. Entretanto, na verdade, elas são as graças mais ínfimas
em comparação com a graça de Deus e a piedade na cruz.
[Indulgências não são nada quando comparadas à graça de Deus
em Cristo.]
69. Os bispos e curas têm a obrigação de admitir com toda a
reverência os comissários de indulgências apostólicas.
[Lutero enfatiza a hierarquia à essa época. Talvez por isso
ele tenha escrito a tese seguinte.]
70. Têm, porém, a obrigação ainda maior de observar com os
dois olhos e atentar com ambos os ouvidos para que esses comissários não
preguem os seus próprios sonhos em lugar do que lhes foi incumbido pelo papa.
[Lutero volta a defender o papa. Admitindo que os
comissários é que estariam desvirtuando aquilo que o papa lhes tinha ordenado.]
71. Seja excomungado e maldito quem falar contra a verdade
das indulgências apostólicas.
72. Seja bendito, porém, quem ficar alerta contra a
devassidão e licenciosidade das palavras de um pregador de indulgências.
73. Assim como o papa, com razão, fulmina aqueles que, de
qualquer forma, procuram defraudar o comércio de indulgências,
74. muito mais deseja fulminar aqueles que, a pretexto das
indulgências, procuram defraudar a santa caridade e verdade.
75. A opinião de que as indulgências papais são tão eficazes
ao ponto de poderem absolver um homem mesmo que tivesse violentado a mãe de
Deus, caso isso fosse possível, é loucura.
76. Afirmamos, pelo contrário, que as indulgências papais
não podem anular sequer o menor dos pecados veniais no que se refere à sua
culpa.
(A teologia católica distingue entre pecados veniais e
pecados mortais. Os primeiros não são pecados no sentido lato do termo. Os
segundos referem-se aos sete pecados capitais. Estes, enquanto não forem
perdoados, têm como consequência a morte eterna, devendo, por isso, ser
confessados.)
[Lutero aponta para a inutilidade das indulgências.]
77. A afirmação de que nem mesmo S. Pedro, caso fosse o papa
atualmente, poderia conceder maiores graças é blasfêmia contra São Pedro e o
papa.
78. Afirmamos, ao contrário, que também este, assim como
qualquer papa, tem graças maiores, quais sejam, o Evangelho, os poderes, os
dons de curar, etc., como está escrito em 1Co 12.
79. É blasfêmia dizer que a cruz com as armas do papa,
insignemente erguida, equivale à cruz de Cristo.
[Nada é maior do que a cruz de Cristo, nem mesmo a cruz do
papa.]
80. Terão que prestar contas os bispos, curas e teólogos que
permitem que semelhantes conversas sejam difundidas entre o povo.
[Lutero lembra da responsabilidade de cada bispo frente ao
seu rebanho.]
81. Essa licenciosa pregação de indulgências faz com que não
seja fácil, nem para os homens doutos, defender a dignidade do papa contra
calúnias ou perguntas, sem dúvida argutas, dos leigos.
82. Por exemplo: por que o papa não evacua o purgatório por
causa do santíssimo amor e da extrema necessidade das almas — o que seria a
mais justa de todas as causas —, se redime um número infinito de almas por
causa do funestíssimo dinheiro para a construção da basílica — que é uma causa
tão insignificante?
83. Do mesmo modo: por que se mantêm as exéquias e os
aniversários dos falecidos e por que ele não restitui ou permite que se recebam
de volta as doações efetuadas em favor deles, visto que já não é justo orar
pelos redimidos?
84. Do mesmo modo: que nova piedade de Deus e do papa é
essa: por causa do dinheiro, permitem ao ímpio e inimigo redimir uma alma
piedosa e amiga de Deus, porém não a redimem por causa da necessidade da mesma
alma piedosa e dileta, por amor gratuito?
85. Do mesmo modo: por que os cânones penitenciais — de fato
e por desuso já há muito revogados e mortos — ainda assim são redimidos com
dinheiro, pela concessão de indulgências, como se ainda estivessem em pleno
vigor?
86. Do mesmo modo: por que o papa, cuja fortuna hoje é maior
do que a dos mais ricos Crassos, não constrói com seu próprio dinheiro ao menos
esta uma basílica de São Pedro, ao invés de fazê-lo com o dinheiro dos pobres
fiéis?
87. Do mesmo modo: o que é que o papa perdoa e concede
àqueles que, pela contrição perfeita, têm direito à remissão e participação
plenária?
88. Do mesmo modo: que benefício maior se poderia
proporcionar à Igreja do que se o papa, assim como agora o faz uma vez, da
mesma forma concedesse essas remissões e participações 100 vezes ao dia a
qualquer dos fiéis?
89. Já que, com as indulgências, o papa procura mais a
salvação das almas do o dinheiro, por que suspende as cartas e indulgências outrora
já concedidas, se são igualmente eficazes?
[81-89: Nas teses que acima Lutero usa de sarcasmo para
contra argumentar às indulgências. Ele é muito perspicaz e não parece temer o
papa. Segundo ele pensava não havia o que temer, pois o papa estaria do seu
lado. Lutero põe nas teses as perguntas que provavelmente estariam circulando
entre as pessoas de sua época. Como na tese 82: se o papa pode tirar as pessoas
do purgatório por dinheiro, por que não faz isso por bondade? Com perguntas
assim ele mostra que é totalmente contra tais indulgências.]
90. Reprimir esses argumentos muito perspicazes dos leigos
somente pela força, sem refutá-los apresentando razões, significa expor a
Igreja e o papa à zombaria dos inimigos e desgraçar os cristãos.
[Lutero chama a atenção ao fato de que as pessoas merecem ao
menos uma explicação dos abusos que estão acontecendo. Eles não deveriam ser
tratados à força.]
91. Se, portanto, as indulgências fossem pregadas em
conformidade com o espírito e a opinião do papa, todas essas objeções poderiam
ser facilmente respondidas e nem mesmo teriam surgido.
92. Fora, pois, com todos esses profetas que dizem ao povo
de Cristo: "Paz, paz!" sem que haja paz!
93. Que prosperem todos os profetas que dizem ao povo de
Cristo: "Cruz! Cruz!" sem que haja cruz!
94. Devem-se exortar os cristãos a que se esforcem por
seguir a Cristo, seu cabeça, através das penas, da morte e do inferno;
[Os cristãos deveriam confiar que pelas penas estariam nos
céus (se percebe a teologia romana) e não por comprarem as indulgências. Estas,
ao contrário, geram uma esperança falsa e levam que leva ao inferno.]
95. e, assim, a que confiem que entrarão no céu antes
através de muitas tribulações do que pela segurança da paz.
[O caminho do céu passa pelas tribulações da terra. O
cristão sofre aqui, antes de estar na perfeição com Deus. Isto é claro para
Lutero.]