Até o último dia 07 de abril eu só tinha boas lembranças de Realengo. Minha adolescência e juventude registraram fatos inefáveis, conquistaram amigos que ainda hoje caminham ao meu lado e volta e meia, numa inestimável nuvem de nostalgia, me traziam a memória momentos de união, consagração, evangelismo e muitas, muitas noites de boa música, cumplicidade, sorrisos, descobertas e planos.
De repente, numa manhã aparentemente tranquila, uma chamada na TV inunda de sangue as minhas recordações. Alguém invadiu uma escola e a tiros ceifou a vida de mais de uma dezena de adolescentes; feriu outras; incontáveis... Semeou o desespero abrindo sequelas físicas e emocionais que parecem retratar um campo de guerra.
Entrei em choque. O primeiro pensamento egoisticamente humano foi: "Será que há alguém que conheço"?
Diante de tamanha brutalidade que me paralisou por completo, minh'alma parecia congelar, um arrepio profundo tomou todo o meu ser enquanto as lágrimas tornavam-se incessantes.
Neste turbilhão de emoções veio o segundo pensamento; pior, me fez questionar: "Deus, cadê você"?
Tudo aquilo era pesado demais; demorei um tempo para entender o que acontecia; demorei para me refazer e me levantar do baque que por instantes me fez com propriedade questionar a Onisciência e a Onipresença Divina.
Chorei; chorei muito. Não entendia nada. Orei; orei muito, intensamente, e continuava sem entender, parecia que algo insistia em roubar-me a fé do coração e da razão. Mas felizmente meu pranto me levou aos braços do Pai e lá consegui me refazer, voltei a crer, e mesmo ainda sem compreender eu pude ver que Deus continuava lá, no mesmo lugar.
Assim, em meio há tanta dor consegui respirar novamente. E apesar dos olhos marejados, do coração estraçalhado e do espírito contrito por um instante de dúvida, eu sentia que Deus estava lá!
As notícias não paravam de invadir minhas boas lembranças, e chorando como criança a cada desespero que assistia, minha angústia crescia, mas paradoxalmente eu sabia; Deus estava lá!
E nessa troca de dor, embora a minha fosse mínima diante das vítimas e familiares, eu desejava (e desejo) ardentemente que eles pudessem crer e ver, não obstante trágico cenário, que Deus estava lá!
Deus estava com as crianças feridas, com as que se salvaram e espero com aquelas que partiram.
Deus estava com o menino herói que sem sentir o próprio ferimento correu e foi em busca de socorro; Deus estava com o sargento Alves.
Deus estava com aquele senhor de cabelos brancos que com sua velha pick-up levou seis crianças para o hospital; Deus estava com os médicos, enfermeiros e bombeiros.
Deus estava com a professora que orientou o bravo aluno e com as outras que se refugiaram com as crianças no terceiro andar.
Deus estava com todos os anônimos que numa corrente de solidariedade infinita se fizeram uno, independente de credo, raça ou religião...
E assim, percebendo esses detalhes eu pude constatar que Deus estava lá (e está), no mesmo lugar... Apesar das perdas e do desespero; apesar da tristeza e dos traumas; apesar dos pais sem os filhos; apesar de um distúrbio, de um surto, de um louco... Deus estava lá!
E, embora eu carregue agora essa mancha que entristece as minhas lembranças, Deus está lá; no mesmo lugar!
Hoje, depois de uma semana, minha perplexidade ainda se mistura a uma agonia que permanece, a gente simplesmente não esquece, mas O lenitivo Divino do Espírito Santo alicerça a minha fé nEle, na humanidade, na juventude e na promessa da ressurreição que viveremos em breve no domingo de Páscoa.
Os noticiários insistem em veicular aquelas cenas, não sei se certo ou errado apesar de ser jornalista; evito ao máximo. Ao rever o acontecido imediatamente trago a memória as palavras do pastor Joel Muller (de Realengo) na mensagem do último domingo: "...É errado o ditado popular que afirma que há jeito para tudo menos para a morte. Há sim um Único jeito para a morte se durante a vida Jesus for o seu Senhor e Salvador; amém"! Obrigada pastor.
Que todas as vítimas (diretas e indiretas) do bairro de Realengo possam crer que Deus está no mesmo lugar e que a Sua Misericórdia excede todo e qualquer desmando da humanidade pela Graça do Seu Filho Jesus, o Cristo. Assim seja.
Cassia de Sousa Lacerda.
Jornalista e teóloga.
membro da congrgação Bom Pastor de Nova Iguaçu - Rio de Janeiro.
16 de abril, 2011.
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