III - A Teologia do Culto nas Confissões Luteranas[1]
A. O Culto em Geral
A
Igreja Luterana é, por definição, uma igreja confessional. Ela nasceu em
confissão e vive por suas confissões. A Igreja da Confissão de Augsburgo
necessita tratar com seriedade o que as Confissões têm a dizer a respeito da pregação
da Palavra, e a respeito da celebração dos Sacramentos. A teologia confessional
deve ser o fundamento e a razão do nosso culto, pois é Deus quem, por meio do
Evangelho — Palavra e Sacramentos, nos chama para Sua Igreja.[2]
Onde a Palavra de Deus e os Sacramentros estão presentes, ali está a Igreja.[3]
Esta postura confessional é a base do Culto
Luterano.
Devido
a essa base confessional, necessitamos rever o que as Confissões dizem a
respeito do Culto e dos Sacramentos. O culto não é um programa dentre muitos
outros. Na verdade, ele é a vida da Igreja. Nossos livros simbólicos nos
ensinam que o culto, na sua essência, é uma expressão de fé em Deus por meio de
Cristo. Fé em Deus por meio de Cristo se expressa em culto.[4]
Portanto, só pode haver culto verdadeiro, por parte daqueles que reconhecem e
aceitam Jesus como o Cristo.[5]
Considerando
que o culto inclui tanto fé como exercícios e sinais de fé, ele não deve ser
entendido como algo que se restringe a ritos e cerimônias religiosas. O culto
inclui a inteira vida de fé do cristão. Tudo aquilo que o cristão diz, faz e
pensa em fé sincera, é culto a Deus.
Mas
qual é então o significado e a importância das cerimônias religiosas externas?
Cerimônias externas, que tenham sido instituídas por homens, no verdadeiro
sentido da palavra não são culto.[6]
Mas isso não significa que cerimônias externas não sejam importantes.[7]
De fato, em tempo de perseguição, cerimônias externas intrinsecamente
indiferentes, se tornam muito importantes. A adoção ou o abandono de tais cerimônias
pode se tornar um ato de apostasia e pecado. Isso fica muito claro durante os
ínterins entre Augsburgo e Leipzig, sendo finalmente estabelecido pelo artigo X
da Fórmula de Concórdia.
Cerimônias
humanas, embora não sejam em si mesmas culto, são importantes porque somos
carne e sangue, seres humanos que vivem num mundo de realidade física.
Precisamos levar a sério essa realidade física. A forma como sentamos, ficamos
em pé, ajoelhamos, ou juntamos nossas mãos, fazem diferença. Cerimônias
externas são condições necessárias do culto corporativo. Não podemos, todavia,
ser levados a crer que cerimônias humanamente instituídas possam ser oferecidas
a Deus com a intenção meritória de perdão e graça.[8]
Nosso
culto é propriamente dirigido ao Deus triúno, o qual é o objeto de nosso culto.
Este culto é oferecido a Deus em e por meio de Jesus Cristo. E é propriamente
entendido como um sacrifício de louvor e ação de graças.[9]
A fé em Jesus Cristo, cerne do verdadeiro culto, está intimamente ligada aos
meios da graça. É mediante dos meios da graça que a fé é criada e nutrida, pois
a fé vem pelo ouvir das graciosas promessas de Deus.[10]
As
cerimônias externas ligadas com o culto, servem de fato a um útil propósito.
Servem para ensinar os jovens. Servem também para identificar a igreja diante
da sociedade que a cerca. Elas são veículos de devoção privada e corporativa[11].
Se, portanto, as cerimônias devem ter esse valor, as mesmas devem ser
entendidas e explicadas. O dever de ensinar e pacientemente explicar as
cerimônias do culto, é responsabilidade da família cristã, da escola cristã e
da congregação cristã.[12]
É
preciso salientar que as cerimônias da igreja da Confissão de Augsburgo não são
inovações. As cerimônias e o culto eclesiástico e litúrgico da Igreja Luterana
são, por definição confessional, consciente e determinantemente parte da Igreja
católica. Na verdade, face às grandes pressões dos iconoclastas, os confessores
luteranos seguiram um princípio litúrgico bastante conservador. As Confissões,
explicitamente, se manifestam pela retenção do sistema de perícopes, dos
sermões no culto, do ordinário da missa medieval, dos cânticos, do Domingo, do
Ano da Igreja, das festas, das coletas (orações do dia), das vestes
eucarísticas, das velas, dos altares, do cântico do saltério, sinal da cruz, do
juntar as mãos para a oração e do ajoelhar.[13]
Contudo, tendo afirmado tudo isso, também precisamos dizer que os ritos
herdados da igreja medieval, foram de forma geral, simplificados, o que levou a
deixar fora muitas cerimônias que haviam perdido o seu valor.[14]
Se,
portanto, as Confissões Luteranas têm a expectativa que cerimônias sejam usadas
no culto, onde está a autoridade para regulamentar tais cerimônias do culto
público? Esta autoridade está investida na igreja.[15]
Investida na igreja, a autoridade para regulamentar as cerimônias do culto
público, de acordo com os Livros Simbólicos, é exercida pelos seus ministros.[16]
Isto está sujeito a certas restrições. Questões que são estabelecidas por
direito divino não podem ser modificadas.[17]
Nada pode ser feito contrário ao Evangelho. Mudanças em cerimônia devem ser
feitas cuidadosa e prudentemente.[18]
Ministros não podem estabelecer qualquer cerimônia como necessária à salvação
ou, com a intenção meritória do perdão.[19]
Nem podem os ministros mudar cerimônias com a intenção de sugerir de que não
existe diferença entre a Igreja da Confissão de Augsburgo e outras.[20]
B. Sacramentos
Por
bem mais de mil anos não havia consenso sobre quantos sacramentos existiam
precisamente na igreja cristã. Na verdade, o número permaneceu indeterminado ao
longo da maior parte da história do cristianismo.[21]
Surpreendentemente,
as Confissões não se atêm a um número específico de sacramentos. O número de
sacramentos variou com os diferentes teólogos até o fim da Idade Média.
Provindos desse contexto teológico, os confessores não se sentiam obrigados a
especificar o número.[22]
As Confissões, no entanto, reconhecem dois sacramentos como essenciais, e que
se enquadram na definição de Agostinho: “Acresça o verbo ao elemento, e assim
se torna sacramento.”[23]
O
Catecismo Maior, por exemplo, fala de: “nossos dois sacramentos, instituídos
por Cristo.”[24]
Apesar da posição comumente mantida de que dois e, exclusivamente dois, podem
ser considerados sacramentos, as Confissões parecem mais inclinadas a
estabelecer o número de três, incluindo a absolvição entre os sacramentos.[25]
Outros ritos, como ordenação e casamento, às vezes, também recebem o nome de
sacramento.[26]
A confirmação, no entanto, é explicitamente excluída como sacramento.[27]
As
Confissões enfatizam que Palavra e Sacramentos são meios da graça e constituem
os sinais da igreja.[28]
É com base na Palavra e nos Sacramentos que se estabelece a verdadeira unidade
da igreja. Sem Palavra e Sacramento, não há igreja, não há povo de Deus.
Na
teologia luterana a proclamação da Palavra tem significado sacramental. A
proclamação da palavra do perdão nos sermões não é pensada como sendo uma aula
de religião. Não é mera instrução moral. A proclamação da Palavra é viva vox evangelii. Pela Palavra o
perdão é veiculado. Pela Palavra a vida eterna é concedida mediante o Espírito
atuante na Palavra. De certa forma, a Palavra é um Sacramento último, pois o
Santo Batismo, o Sacramento do Altar e a Absolvição, estão na dependência dessa
Palavra de Deus. Ouvir a Palavra falada e proclamada é ouvir o próprio Cristo,
que diz: “quem vos der ouvidos, ouve-me a
mim; e, quem me ouvir, ouve aquele que me enviou.”(Lc 10.16).[29]
Esta
visão sacramental da Palavra não elimina a necessidade dos Sacramentos. Eles
foram instituídos por Cristo e atendem uma profunda necessidade na vida das
pessoas. No Catecismo Maior, Lutero diz: “assim
a fé se apega à água, crendo que é o batismo, em que há pura salvação e vida.
Não pela água... mas porque está unida a Palavra e a ordem de Deus. Aquilo a
que a fé adere e com a qual está ligada... tem de ser natureza externa, para
que se possa captá-la e compreendê-la com os sentidos e a fim de que mediante
isso se possa levá-la ao coração. Pois que o evangelho todo é pregação externa,
oral.”[30]
Os
confessores tinham a convicção de que se o povo fosse instruído apropriadamente
quanto ao valor e aos frutos dos Sacramentos, seriam movidos a usá-los frequentemente.
Melanchthon afirmou com absoluta certeza na Apologia: “em nossas igrejas muitos certamente usam muitas vezes por ano dos
sacramentos, da absolvição e da ceia do Senhor.”[31]
As
Confissões tinham como pressuposto de que, ordinariamente, o celebrante da
Santa Ceia fosse um ministro ordenado. A autoridade de administrar os
Sacramentos faz parte da autoridade com o qual o ministro foi investido por
ocasião de sua ordenação. Como um servo da Palavra, chamado e ordenado, o
ministro celebrante dos Sacramentos está atuando como agente de Deus.
Entretanto, o Tractatus concede que, em caso de emergência, um leigo possa
absolver e tornar-se ministro e pastor para o seu semelhante.[32]
Quais
são os propósitos dos Sacramentos? Um dos seus propósitos é identificar a igreja.
Onde os Sacramentos estão sendo celebrados e administrados, aí o cristão sabe
que a igreja existe.[33]
Mas, eles fazem mais do que isso: os Sacramentos operam remissão dos pecados,
vida e salvação.[34]
Os
Sacramentos não são uma invenção da igreja. São uma instituição de Cristo. Pela
instituição de Cristo, eles se tornam válidos e eficazes, independente da fé ou
da descrença. A santidade ou imoralidade, tanto do ministro quanto do
participante do sacramento, não afetam a sua validade.[35]
Os Sacramentos, porém, não alcançam seu fim próprio, ou seja, a justificação,
pela mera execução do rito. Para alcançarem o seu fim, a justificação, os
Sacramentos requerem fé por parte de quem os usa. Os Sacramentos foram
instituídos para despertar e confirmar a fé daqueles que fazem uso dos mesmos.[36]
1. O Batismo
O
Batismo é a combinação do uso de água e a ordem e promessa batismal. A ordem e
a promessa batismal é a Palavra de Deus. É por virtude desta divina Palavra que
a água do Batismo é apropriadamente descrita como uma água celeste, água
divina, água santa, água abençoada, água fértil, água graciosa, e um lavar
regenerador.[37]
Quanto ao modo de batizar, as Confissões não estão tão preocupadas em defender
imersão ou aspersão, mas sim a ordem divina.[38]
O
Batismo não é um mero sinal vazio. O Batismo de fato salva (1Pe 3.20-21). É
devido à promessa que o Batismo transmite (comunica) poder. O Catecismo Maior
afirma: “devemos ser batizados sob pena
de não sermos salvos”[39]. Além disso, o Batismo é descrito como
perdão dos pecados, oferecimento da graça de Deus, novo nascimento,
oferecimento da vida e recepção na Igreja, sendo vitorioso sobre a morte, e
como aquele que nos livra das garras da morte.[40]
Porque
o Batismo opera o perdão dos pecados, ele remove a culpa do pecado original, mas
não o pecado original em si. Continuamos ainda infectados com o desejo de
pecar. A concupiscência permanece. O velho Adão é ainda uma realidade na vida
do cristão.[41]
Apesar
da retenção da concupiscência, o efeito do Batismo é para a vida toda.
Portanto, a repetição do Santo Batismo não é necessária e nem correta. A
repetição de um Batismo “válido” poderia significar blasfemar e profanar o
sacramento em alto grau.[42]
As
crianças devem ser batizadas. Não podemos tolerar na igreja a crença de que
crianças, não batizadas, não são ainda pecadoras diante de Deus, mas sim,
justas e inocentes. É incorreto crer que todos aqueles que ainda não atingiram
a idade da razão são salvos sem o Batismo.[43]
2. A Santa Ceia
As
Confissões chamam o Sacramento do Altar por uma variedade de nomes. Ela é
conhecida como a Ceia, Ceia do Senhor, Santa Ceia, o Sacramento, o mui
venerável Sacramento, o Santo Sacramento, o Sacramento do Altar, a Missa. Com
menor frequência é também chamada de Comunhão, o Corpo do Senhor, Eucaristia,[44]
Liturgia, Synaxis e Agape.[45]
Surpreendentemente, a construção “Santa Comunhão”, o termo mais corrente e
preferido nos EUA, nunca ocorre nesta forma nas Confissões. Quer parecer que
tenha sido importado para dentro da Igreja da Confissão Augsburgo a partir da Igreja
da Inglaterra. É com boa razão que o Lutheran
Worship preferiu o nome Culto Divino (Gottestdienst)
para o culto principal da igreja.
Os
elementos terrenos no Sacramento do Altar são pão e vinho.[46]
As Confissões não especificam o tipo de pão ou vinho. Historicamente, todavia,
os Luteranos desejaram depreciar a simbólica associação do pão e o vinho, a
qual poderia dar a impressão que o corpo e sangue de Cristo estavam sendo
meramente simbolizados com pão e vinho. Por esta razão se manteve a hóstia e se
deu preferência ao vinho branco ou âmbar, ao invés do vinho sacramental
vermelho na Igreja Luterana.
Espera-se
que os comungantes recebam ambos, pão e vinho. Esses elementos visíveis do pão
e vinho não devem ser adorados no Santo Sacramento.[47]
À
base de nossa doutrina, com respeito ao Sacramento do Altar, são as Palavras da
Instituição. Essas palavras são a Palavra de Deus no Santo Sacramento. É quando
esta Palavra de Deus vem aos elementos que ele se torna um sacramento. Nossas
confissões citam com aprovação essa máxima teológica de Santo Agostinho.[48]
As Palavras da Instituição devem ser entendidas em seu sentido pleno e não de
forma simbólica ou sentido metafórico.[49]
Para
ser uma celebração válida do Sacramento do Altar, as Palavras da Instituição
devem ser usadas para consagrar os elementos. Essas palavras de Cristo são
eficazes mesmo em face de uma descrença ou imoralidade tanto por parte do
celebrante como do comungante. O corpo e o sangue estão verdadeiramente
presentes no Sacramento do Altar, e os comungantes recebem o corpo e o sangue
do Senhor oralmente, não meramente de forma espiritual. Alguns recebem o
Sacramento para salvação, fielmente crendo na palavra e promessa de Cristo.
Outros, recebem o corpo e o sangue para seu próprio juízo, não discernindo ou
reconhecendo o corpo e o sangue do Senhor, já que não têm fé.[50]
Se
Cristo está presente no Sacramento, qual tipo de presença é essa? Esse problema
foi uma preocupação para os teólogos na Idade Média. As Confissões definem, de
forma mais ampla, o modo da presença do Senhor em termos negativos. As
Confissões negam a teoria da transubstanciação. Elas negam a mudança de
essência, tanto dos elementos terrenos ou celestes. Elas condenam um
confinamento local para o corpo e o sangue de Cristo nos elementos terrenos.
Elas condenam qualquer tipo de interpretação que sugira uma “ausência real” do
corpo e o sangue de Cristo.[51]
Afirmamos
a Presença Real. A pergunta, então, passa a ser como essa presença é possível?
Aqui mantemos o nosso intelecto cativo em obediência a Cristo, assim como o
fazemos em outros artigos de fé, aceitando esse mistério unicamente pela fé,
assim como está revelado na Palavra.
Quando
essa Presença Real ou união sacramental acontece? Os Livros Simbólicos não
discutem o momento quando essa união sacramental inicia ou termina, com exceção
da afirmação que se encontra na Fórmula de Concórdia, artigo VII, de que ela
não acontece à parte do uso do Sacramento, conforme divinamente instituído. Ou
seja, a consagração, a distribuição e a recepção oral. O fato simples é que, no
Sacramento do Altar, o pão e o vinho são o corpo e o sangue de Cristo.
O
propósito do Sacramento é conferir o perdão dos pecados no sentido mais pleno
do termo. Mas o efeito do Sacramento é descrito de muitas outras maneiras:
nossa fé é fortalecida em nós; lembramos os benefícios de Cristo e os recebemos
por fé, de modo que somos renovados por meio deles; recebemos a garantia de que
somos incorporados em Cristo, unidos a Ele e lavados pelo Seu sangue. O
Sacramento do Altar é um remédio contra o pecado, a carne, o diabo, o mundo, a
morte, o perigo e o inferno, e uma aplicação da graça, da vida, do paraíso, do
céu, de Cristo, de Deus, e de todo o bem; um salva-guarda contra a morte e
todos os males, um alimento para a alma, um nutrimento e um fortalecimento do
novo homem, um pasto e um sustento diário, uma renovação da nossa fé nas lutas
da vida, e um precioso antídoto contra o veneno da fraqueza.[52]
Uma
das controvérsias cruciais da Reforma girou em torno do sacrifício. As
Confissões afirmam que a Ceia do Senhor não é um sacrifício expiatório a ser
aplicado em favor dos vivos e dos mortos. Entretanto, as Confissões também
afirmam de que a Ceia do Senhor é um sacrifício de louvor e gratidão. No artigo
XXIV da Apologia, Melanchthon claramente propõe o termo “sacrifício”. A
cerimônia sacramental, como se afirma, é um sacrifício de louvor e ação de
graças a Deus por todos os seus benefícios:
“assim como entre os sacrifícios de louvor, isto é, entre os louvores de Deus,
incluímos a pregação da palavra, assim pode ser louvor ou ação de graças o
próprio recebimento da Ceia do Senhor.”[53]
O
Sacramento é para ser celebrado na Igreja com grande reverência e obediência,
até o fim do mundo. Os Confessores estavam convencidos de que eles celebravam a
missa com maior dignidade e devoção, do que fizeram seus oponentes.
As
Confissões enfatizam os aspectos corporativos da celebração sacramental.
Sacerdotes, por exemplo, foram advertidos contra a celebração exclusiva de
missas privadas, com a finalidade de celebrarem a sua própria Comunhão. O
ideal, de acordo com os Livros Simbólicos, é a missa comum ou pública, na
presença de toda a congregação no culto principal, pelo menos todos os Domingos
e Dias Santos.[54]
Com a restauração do Sacramento do Altar ao seu lugar histórico na vida da
igreja, celebrações diárias privativas da Santa Ceia, realizadas à parte do
culto corporativo, sem a presença do povo, ficam difíceis de ser sustentadas.
Considerando que a celebração dominical tornou-se a norma, as Confissões
indicam que o mesmo deve ser celebrado tão frequentemente quanto os comungantes
o desejarem. A partir desta concepção, as Confissões contemplam a possibilidade
de celebrá-lo diariamente.[55]
Entretanto,
nenhuma regra pode ser estabelecida quanto à frequência da participação. Não há
exceção quanto a esse princípio. As Confissões levemente tocam na questão da
pessoa que permanece longe do Sacramento por um ano ou mais. Para assegurar que
isto não aconteça, os ministros devem exortar os leigos à Comunhão frequente.[56]
E, contrariamente à prática contemporânea, o celebrante pode receber o
Sacramento de suas próprias mãos durante o culto.[57]
3. A Absolvição
Novamente
encontramos uma variedade de nomes para a Absolvição. Ela é chamada de
Confissão, Santa Absolvição, Poder das Chaves, as Chaves, Sacramento da
Penitência.[58]
Ao usar qualquer dessas designações, as Confissões Luteranas ou Livros
Simbólicos, referem-se à confissão e absolvição privada, e não a um grupo de
pessoas muitas vezes não identificáveis como no culto público.[59]
Nessa
situação privativa, a efetiva confissão dos pecados perde a sua força legalista
e a importância que ela tinha no período da pré-Reforma. A confissão pode ser
breve, sem necessidade de distinguir pecados veniais e mortais. O penitente
deveria confessar aqueles pecados que de forma especial oprimiam a sua
consciência. Teologicamente, as Confissões Luteranas, ao enaltecerem os
benefícios e a importância da confissão privada, focalizam especialmente a
absolvição pronunciada pelo ministro: “eu
perdôo os teus pecados...”.[60]
Assim
como no Batismo e na Santa Ceia, este é o perdão dos pecados aplicado ao
indivíduo, o qual é apropriado pela fé deste indivíduo no perdão dos pecados em
Jesus Cristo. Esta é a forma de absolvição que dá especial conforto e
consolação às consciências atribuladas pelo pecado. A certeza e o poder desta
absolvição direta está baseada no poder das chaves (Mt 16.19; 18.18 e Jo
20.22-23), o poder que Deus exerce por meio de seus ministros da Palavra
chamados, ou seja, pelo ministério público.
Várias
influências, práticas e teológicas, gradativamente levaram a Confissão e
Absolvição privada ao declínio. Derivada de práticas da pré-Reforma (o Confiteor do rito romano e as formas
cúlticas de orações confessionais públicas [Offene
Schuld] na Alemanha), confissões grupais no culto público tornaram-se
comuns. Nestas situações, as formas de “absolvição” eram expressas por meio de
orações de perdão, afirmações declaratórias (“eu vos declaro o perdão de todos
os vossos pecados, etc.”), e por meio de declarações simples da graça,
utilizando passagens genéricas da Escritura que falam do amor salvador de Deus
em Cristo pela humanidade em pecado.
As
formas de Confissão e Absolvição que se encontram nas Ordens I e II do Hinário
Luterano, são adaptações de formas que apareceram em várias ordens do século
XVI. Enquanto uma tem suas raízes na Confissão Privada e em situações
confessionais envolvendo grupos menores e, portanto, mais direta e
individualizada, a outra forma tem a intenção de ser mais geral ou uma
Confissão de grupo preparatória para o culto público. Neste caso, seguida por
uma declaração simples da graça na qual o pastor se inclui. Não é uma situação
de pastor versus penitente, como em
situações de confissão privada ou de pequenos grupos. Fica a critério do pastor
a decisão pela conveniência de usar uma ou outra.[61]
[1] Esse capítulo está baseado na obra de Arthur Carl
PIEPKORN, What the Symbolical Books of
the Lutheran Church Have to Say About Worship and the Sacraments. Saint
Louis, Concordia Publishing House, 1952.
[2] Livro de Concórdia, Cm II, p.371.6.
[3] Id. Ibid., CA VII, p.31.1-2.
[4] Id. Ibid., Símbolo de Atanásio, p.20.3 e
Ap IV, p.144.228 e p.161.310.
[5] Id. Ibid., CM, p.396.17-21.
[6] Id. Ibid., FC Epítome, p.530.3, p.531.8-9; FC DS, p.656.8.
[7] Id. Ibid., CM, p.409.92 e 94.
[8] Id. Ibid., Ap XV, p.229.11-12; CA, p.70.3-4; AE III.XV, p.339.1-2.
[9] Id. Ibid., Ap XXIV, p.269.18-19, p.270.21-25, p.271.27-33, p.277.52-56; Ap
IV, p. 174.385.
[10] Id. Ibid., Ap XXIV, p.273.33-34; CA
XXIV, p.78.5 e 8.
[11] Id. Ibid., Ap XXIV, p.266.3; XV, p.229.13; CA XXIV, p.45.2-3.
[12] Id. ibid., Ap XXIV, p.266.2-5.
[13] Id. Ibid., CA XV, p.70.1; XX, p.74.40;
XXIV, p.78.1-2; XXVI, p.84.40; Ap XV, p.233.40-43; XXIV, p.266.1-2 e p.277.50-51;
Cm, p.379.1-11; CM, p.405.74.
[14] Id. Ibid., CA XXIV, p.78.13; AE II.II,
pp.313.1-317.24; CM Prefácio, p.387.3.
[15] Id. Ibid., FC DS, X, p.656.9.
[16] Id. Ibid., CA XXVIII, p.90.53-57.
[17] Id. Ibid., CA XXVIII, p.89.34.
[18] Id. Ibid., FC Epítome X, p.530.5, p.531.12; FC DS, X, p.656.9, p.659.25,
p.660.30.
[19] Id. Ibid., Ap XV, p.232.31.
[20] Id. Ibid., Ap XXVIII, p.302.14 - p.303.20.
[21] James F. WHITE, op. cit., pp.133 e137. Em seu livro,
WHITE aborda o assunto amplamente, cf. pp.133-152.
[22] Livro de Concórdia, Ap XIII, p.223.2.
[23] Id. Ibid., AE III.IV, p.333.2. Agostinho diz: “Accedat verbum ad elementum et fit sacramentum.”
[24] Id. Ibid., CM IV, p.474.1.
[25] Id. Ibid., Ap XIII, p.223.4.
[26] Id. Ibid., Ap XIII, p.224.11 e
p.225.14-15.
[27] Id. Ibid., Ap XIII, p.224.6.
[28] Id. Ibid., Ap XXIV, p.280.69; VII e
VIII, p.177.3 e 5.
[29] Id. Ibid., Ap VII e VIII, p.182.28.
[30] Id. Ibid., CM IV, p.478.29-30.
[31] Id. Ibid., Ap XI, p.190.3
[32] Id. Ibid., Tractatus, p.356.67. “A
Reforma trouxe a percepção de que todos os cristãos poderiam exercer um papel
sacerdotal confessando e perdoando-se uns aos outros. Porém muitas vezes onde o
poder está à disposição de todos, ele não é exercido por ninguém. Todas as
tradições protestantes julgaram necessários padrões de disciplina e julgamento,
embora os meios de execução variassem. Calvino vinculou à eucaristia a ação
disciplinar de excluir da comunhão (i.e, excluir pecadores notórios 1 Co
11.27), sendo que Wesley exigia tíquetes de comunhão dos membros de suas
classes. Ambas as práticas sobrecarregavam a eucaristia com um indevido fardo
disciplinar.” J.F. WHITE, op. cit., p.209.
[33] Livro de Concórdia., CA, p.34.1.
[34] Id. Ibid., Ap XII, p.197.42; XIII, p.225.14; XXIV, p.276.49.
[35] Id. Ibid., Ap VII e VIII, p.177.3,
p.180.19; CM IV, p.487.16 - p.488.17.
[36] Id. Ibid., Ap XIII, p.225.18; XXIV, p.280.68; CA XIII, p.34.1-2; XXIV,
p.46.30; Ap XII, p.194.12, p. 195.25.
[37] Id. Ibid., CM IV, p.476.14 e 17; Cm
IV-III, p.376.10.
[38] Id. Ibid., CM IV, p.476.15; p.479.36;
p.483.65 e p.484.68.
[39] Id. Ibid., CM IV. p.475.6.
[40] Id. Ibid., CM IV, p.484.75; Cm IV-II, p.375.6; CM IV, p.479.41, p.485.83.
[41] Id. Ibid., Ap II, p.106.35; FC DS II, p.573.69; Cm IV-IV, p.376.12; CM IV,
p.483.65.
[42] Id. Ibid., CM IV, p.485.77-78.
[43] Id. Ibid., Ap IX, p.187.1ss; AE V, p.333.4; FC Epítome, p.536.6.
[44] Segundo WHITE, o
termo eucaristia tem sido usado desde o final do século 1., op. cit., p.175.
[45] Livro de Concórdia, Ap XXIV, p.282.78 -
p.284.88; CM IV, p.490.39.
[46] Id. Ibid., Ap X, p.188.1; Cm VI, p.378.1 e 2; FC DS VII, p.611.9.
[47] Id. Ibid., FC Epítome, p.523.40; FC DS VII, p.633.126.
[48] Conferir acima a
nota de no 37.
[49] Livro de Concórdia., FC Epítome VII,
p.519.7; FC DS VII, p.617.38 e 39.
[50] Id. Ibid., CM IV, p.493.61 e 69; FC
Epítome VII, p.521.18; FC DS VII, p.621.60 e p. 623.68.
[51] Id. Ibid., AE III - VI, p.334.5; FC DS VII, p. 612.14, p.616.35.
[52] Id. Ibid., Ap XXIV, p.285.90; CM IV, p.488.23 e 24, p.493.68; FC DS VIII,
p.650.76.
[53] Id. Ibid., Ap XXIV, p.273.33.
[54] Id. Ibid., Ap XXIV, p.266.6; AE II.II, p.314.8.
[55] James F. WHITE
observa que: “a tentativa da maioria dos reformadores de restaurar a comunhão
freqüente para os leigos teria sido um ganho formidável para os leigos, não
fosse essa uma mudança demasiadamente radical em relação à prática medieval
tardia de recepção pouco freqüente do sacramento...Porém alcançaram ganhos
claros no culto sacramental por meio de ritos vernaculares simplificados, maior
participação da congregação, canto comunitário, leigos bem catequizados e uma
nova ênfase na pregação da palavra.” Op. cit.,
p.144.
[56] Id. Ibid., Cm Prefácio,p.365.21 e 22.
[57] Segundo Luther
D. REED, Lutero não só aprovava a auto-comunhão, como repetidamente a defendeu
(deinde communicet tum sese, tum populum)
[Formula Missae]. E, por quase duas gerações este ato litúrgico era comum nos
cultos luteranos. Mais tarde, com o declínio da percepção e do conhecimento
litúrgico, o biblicismo dogmático e o subjetivismo pietista provocaram seu
abandono. Contudo, os dogmáticos, permitem seu uso quando não há um outro
ministro presente na celebração. E os Artigos de Esmalcalde [parte II, artigo
2] proíbem a auto-comunhão apenas quando envolve a recepção à parte da
congregação. Ainda, segundo Reed, Chemnitz afirma que assim como o ministro se
inclui na Confissão e Absolvição, ele também pode se incluir na Comunhão. O
ministro não deveria ser exigido a participar de todas as celebrações, nem
deveria ser impedido de comungar sempre que desejasse. (The Lutheran Liturgy, p.372).
[58] Livro de Concórdia, Ap XII, p.197.39,
41; XIII p.223.4.
[59] Id. Ibid., Ap XII, p.208.99-103; Ap XXIV, p.266.1.
[60] Id. Ibid., AE III-VIII, p.335.1 e 2.
[61] Nelson KIRST
alerta para o fato de que “Lutero não incluiu um ato penitencial nas duas
grandes liturgias que elaborou (1523 e 1526). Algumas tradições protestantes
“democratizaram” a antiga oração preparatória dos oficiantes. Essa oração
preparatória “democratizada” passou a ser entendida como confissão de pecados
e, como tal, entrou no culto regular de muitas tradições depois da Reforma.” Op. cit., p.125.
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