domingo, 3 de fevereiro de 2019

O Culto Luterano - manual litúrgico 3

Este manual encontra-se completo aquiMas está disponibilizado também nas postagens, com o marcador "manual da comissão de culto". Há outras duas publicações no blog (mais antigas) devem aparecer na busca também, mas estas aqui estão atualizadas.


III - A Teologia do Culto nas Confissões Luteranas[1]


A. O Culto em Geral
A Igreja Luterana é, por definição, uma igreja confessional. Ela nasceu em confissão e vive por suas confissões. A Igreja da Confissão de Augsburgo necessita tratar com seriedade o que as Confissões têm a dizer a respeito da pregação da Palavra, e a respeito da celebração dos Sacramentos. A teologia confessional deve ser o fundamento e a razão do nosso culto, pois é Deus quem, por meio do Evangelho — Palavra e Sacramentos, nos chama para Sua Igreja.[2] Onde a Palavra de Deus e os Sacramentros estão presentes, ali está a Igreja.[3] Esta postura confessional é a base do Culto Luterano.
Devido a essa base confessional, necessitamos rever o que as Confissões dizem a respeito do Culto e dos Sacramentos. O culto não é um programa dentre muitos outros. Na verdade, ele é a vida da Igreja. Nossos livros simbólicos nos ensinam que o culto, na sua essência, é uma expressão de fé em Deus por meio de Cristo. Fé em Deus por meio de Cristo se expressa em culto.[4] Portanto, só pode haver culto verdadeiro, por parte daqueles que reconhecem e aceitam Jesus como o Cristo.[5]
Considerando que o culto inclui tanto fé como exercícios e sinais de fé, ele não deve ser entendido como algo que se restringe a ritos e cerimônias religiosas. O culto inclui a inteira vida de fé do cristão. Tudo aquilo que o cristão diz, faz e pensa em fé sincera, é culto a Deus.
Mas qual é então o significado e a importância das cerimônias religiosas externas? Cerimônias externas, que tenham sido instituídas por homens, no verdadeiro sentido da palavra não são culto.[6] Mas isso não significa que cerimônias externas não sejam importantes.[7] De fato, em tempo de perseguição, cerimônias externas intrinsecamente indiferentes, se tornam muito importantes. A adoção ou o abandono de tais cerimônias pode se tornar um ato de apostasia e pecado. Isso fica muito claro durante os ínterins entre Augsburgo e Leipzig, sendo finalmente estabelecido pelo artigo X da Fórmula de Concórdia.
Cerimônias humanas, embora não sejam em si mesmas culto, são importantes porque somos carne e sangue, seres humanos que vivem num mundo de realidade física. Precisamos levar a sério essa realidade física. A forma como sentamos, ficamos em pé, ajoelhamos, ou juntamos nossas mãos, fazem diferença. Cerimônias externas são condições necessárias do culto corporativo. Não podemos, todavia, ser levados a crer que cerimônias humanamente instituídas possam ser oferecidas a Deus com a intenção meritória de perdão e graça.[8]
Nosso culto é propriamente dirigido ao Deus triúno, o qual é o objeto de nosso culto. Este culto é oferecido a Deus em e por meio de Jesus Cristo. E é propriamente entendido como um sacrifício de louvor e ação de graças.[9] A fé em Jesus Cristo, cerne do verdadeiro culto, está intimamente ligada aos meios da graça. É mediante dos meios da graça que a fé é criada e nutrida, pois a fé vem pelo ouvir das graciosas promessas de Deus.[10]
As cerimônias externas ligadas com o culto, servem de fato a um útil propósito. Servem para ensinar os jovens. Servem também para identificar a igreja diante da sociedade que a cerca. Elas são veículos de devoção privada e corporativa[11]. Se, portanto, as cerimônias devem ter esse valor, as mesmas devem ser entendidas e explicadas. O dever de ensinar e pacientemente explicar as cerimônias do culto, é responsabilidade da família cristã, da escola cristã e da congregação cristã.[12]
É preciso salientar que as cerimônias da igreja da Confissão de Augsburgo não são inovações. As cerimônias e o culto eclesiástico e litúrgico da Igreja Luterana são, por definição confessional, consciente e determinantemente parte da Igreja católica. Na verdade, face às grandes pressões dos iconoclastas, os confessores luteranos seguiram um princípio litúrgico bastante conservador. As Confissões, explicitamente, se manifestam pela retenção do sistema de perícopes, dos sermões no culto, do ordinário da missa medieval, dos cânticos, do Domingo, do Ano da Igreja, das festas, das coletas (orações do dia), das vestes eucarísticas, das velas, dos altares, do cântico do saltério, sinal da cruz, do juntar as mãos para a oração e do ajoelhar.[13] Contudo, tendo afirmado tudo isso, também precisamos dizer que os ritos herdados da igreja medieval, foram de forma geral, simplificados, o que levou a deixar fora muitas cerimônias que haviam perdido o seu valor.[14]
Se, portanto, as Confissões Luteranas têm a expectativa que cerimônias sejam usadas no culto, onde está a autoridade para regulamentar tais cerimônias do culto público? Esta autoridade está investida na igreja.[15] Investida na igreja, a autoridade para regulamentar as cerimônias do culto público, de acordo com os Livros Simbólicos, é exercida pelos seus ministros.[16] Isto está sujeito a certas restrições. Questões que são estabelecidas por direito divino não podem ser modificadas.[17] Nada pode ser feito contrário ao Evangelho. Mudanças em cerimônia devem ser feitas cuidadosa e prudentemente.[18] Ministros não podem estabelecer qualquer cerimônia como necessária à salvação ou, com a intenção meritória do perdão.[19] Nem podem os ministros mudar cerimônias com a intenção de sugerir de que não existe diferença entre a Igreja da Confissão de Augsburgo e outras.[20]

B. Sacramentos
Por bem mais de mil anos não havia consenso sobre quantos sacramentos existiam precisamente na igreja cristã. Na verdade, o número permaneceu indeterminado ao longo da maior parte da história do cristianismo.[21]
Surpreendentemente, as Confissões não se atêm a um número específico de sacramentos. O número de sacramentos variou com os diferentes teólogos até o fim da Idade Média. Provindos desse contexto teológico, os confessores não se sentiam obrigados a especificar o número.[22] As Confissões, no entanto, reconhecem dois sacramentos como essenciais, e que se enquadram na definição de Agostinho: “Acresça o verbo ao elemento, e assim se torna sacramento.”[23]
O Catecismo Maior, por exemplo, fala de: “nossos dois sacramentos, instituídos por Cristo.”[24] Apesar da posição comumente mantida de que dois e, exclusivamente dois, podem ser considerados sacramentos, as Confissões parecem mais inclinadas a estabelecer o número de três, incluindo a absolvição entre os sacramentos.[25] Outros ritos, como ordenação e casamento, às vezes, também recebem o nome de sacramento.[26] A confirmação, no entanto, é explicitamente excluída como sacramento.[27]
As Confissões enfatizam que Palavra e Sacramentos são meios da graça e constituem os sinais da igreja.[28] É com base na Palavra e nos Sacramentos que se estabelece a verdadeira unidade da igreja. Sem Palavra e Sacramento, não há igreja, não há povo de Deus.
Na teologia luterana a proclamação da Palavra tem significado sacramental. A proclamação da palavra do perdão nos sermões não é pensada como sendo uma aula de religião. Não é mera instrução moral. A proclamação da Palavra é viva vox evangelii. Pela Palavra o perdão é veiculado. Pela Palavra a vida eterna é concedida mediante o Espírito atuante na Palavra. De certa forma, a Palavra é um Sacramento último, pois o Santo Batismo, o Sacramento do Altar e a Absolvição, estão na dependência dessa Palavra de Deus. Ouvir a Palavra falada e proclamada é ouvir o próprio Cristo, que diz: “quem vos der ouvidos, ouve-me a mim; e, quem me ouvir, ouve aquele que me enviou.”(Lc 10.16).[29]
Esta visão sacramental da Palavra não elimina a necessidade dos Sacramentos. Eles foram instituídos por Cristo e atendem uma profunda necessidade na vida das pessoas. No Catecismo Maior, Lutero diz: “assim a fé se apega à água, crendo que é o batismo, em que há pura salvação e vida. Não pela água... mas porque está unida a Palavra e a ordem de Deus. Aquilo a que a fé adere e com a qual está ligada... tem de ser natureza externa, para que se possa captá-la e compreendê-la com os sentidos e a fim de que mediante isso se possa levá-la ao coração. Pois que o evangelho todo é pregação externa, oral.”[30]
Os confessores tinham a convicção de que se o povo fosse instruído apropriadamente quanto ao valor e aos frutos dos Sacramentos, seriam movidos a usá-los frequentemente. Melanchthon afirmou com absoluta certeza na Apologia: “em nossas igrejas muitos certamente usam muitas vezes por ano dos sacramentos, da absolvição e da ceia do Senhor.”[31]
As Confissões tinham como pressuposto de que, ordinariamente, o celebrante da Santa Ceia fosse um ministro ordenado. A autoridade de administrar os Sacramentos faz parte da autoridade com o qual o ministro foi investido por ocasião de sua ordenação. Como um servo da Palavra, chamado e ordenado, o ministro celebrante dos Sacramentos está atuando como agente de Deus. Entretanto, o Tractatus concede que, em caso de emergência, um leigo possa absolver e tornar-se ministro e pastor para o seu semelhante.[32]
Quais são os propósitos dos Sacramentos? Um dos seus propósitos é identificar a igreja. Onde os Sacramentos estão sendo celebrados e administrados, aí o cristão sabe que a igreja existe.[33] Mas, eles fazem mais do que isso: os Sacramentos operam remissão dos pecados, vida e salvação.[34]
Os Sacramentos não são uma invenção da igreja. São uma instituição de Cristo. Pela instituição de Cristo, eles se tornam válidos e eficazes, independente da fé ou da descrença. A santidade ou imoralidade, tanto do ministro quanto do participante do sacramento, não afetam a sua validade.[35] Os Sacramentos, porém, não alcançam seu fim próprio, ou seja, a justificação, pela mera execução do rito. Para alcançarem o seu fim, a justificação, os Sacramentos requerem fé por parte de quem os usa. Os Sacramentos foram instituídos para despertar e confirmar a fé daqueles que fazem uso dos mesmos.[36]

1. O Batismo
O Batismo é a combinação do uso de água e a ordem e promessa batismal. A ordem e a promessa batismal é a Palavra de Deus. É por virtude desta divina Palavra que a água do Batismo é apropriadamente descrita como uma água celeste, água divina, água santa, água abençoada, água fértil, água graciosa, e um lavar regenerador.[37] Quanto ao modo de batizar, as Confissões não estão tão preocupadas em defender imersão ou aspersão, mas sim a ordem divina.[38]
O Batismo não é um mero sinal vazio. O Batismo de fato salva (1Pe 3.20-21). É devido à promessa que o Batismo transmite (comunica) poder. O Catecismo Maior afirma: “devemos ser batizados sob pena de não sermos salvos”[39]. Além disso, o Batismo é descrito como perdão dos pecados, oferecimento da graça de Deus, novo nascimento, oferecimento da vida e recepção na Igreja, sendo vitorioso sobre a morte, e como aquele que nos livra das garras da morte.[40]
Porque o Batismo opera o perdão dos pecados, ele remove a culpa do pecado original, mas não o pecado original em si. Continuamos ainda infectados com o desejo de pecar. A concupiscência permanece. O velho Adão é ainda uma realidade na vida do cristão.[41]
Apesar da retenção da concupiscência, o efeito do Batismo é para a vida toda. Portanto, a repetição do Santo Batismo não é necessária e nem correta. A repetição de um Batismo “válido” poderia significar blasfemar e profanar o sacramento em alto grau.[42]
As crianças devem ser batizadas. Não podemos tolerar na igreja a crença de que crianças, não batizadas, não são ainda pecadoras diante de Deus, mas sim, justas e inocentes. É incorreto crer que todos aqueles que ainda não atingiram a idade da razão são salvos sem o Batismo.[43]

2. A Santa Ceia
As Confissões chamam o Sacramento do Altar por uma variedade de nomes. Ela é conhecida como a Ceia, Ceia do Senhor, Santa Ceia, o Sacramento, o mui venerável Sacramento, o Santo Sacramento, o Sacramento do Altar, a Missa. Com menor frequência é também chamada de Comunhão, o Corpo do Senhor, Eucaristia,[44] Liturgia, Synaxis e Agape.[45] Surpreendentemente, a construção “Santa Comunhão”, o termo mais corrente e preferido nos EUA, nunca ocorre nesta forma nas Confissões. Quer parecer que tenha sido importado para dentro da Igreja da Confissão Augsburgo a partir da Igreja da Inglaterra. É com boa razão que o Lutheran Worship preferiu o nome Culto Divino (Gottestdienst) para o culto principal da igreja.
Os elementos terrenos no Sacramento do Altar são pão e vinho.[46] As Confissões não especificam o tipo de pão ou vinho. Historicamente, todavia, os Luteranos desejaram depreciar a simbólica associação do pão e o vinho, a qual poderia dar a impressão que o corpo e sangue de Cristo estavam sendo meramente simbolizados com pão e vinho. Por esta razão se manteve a hóstia e se deu preferência ao vinho branco ou âmbar, ao invés do vinho sacramental vermelho na Igreja Luterana.
Espera-se que os comungantes recebam ambos, pão e vinho. Esses elementos visíveis do pão e vinho não devem ser adorados no Santo Sacramento.[47]
À base de nossa doutrina, com respeito ao Sacramento do Altar, são as Palavras da Instituição. Essas palavras são a Palavra de Deus no Santo Sacramento. É quando esta Palavra de Deus vem aos elementos que ele se torna um sacramento. Nossas confissões citam com aprovação essa máxima teológica de Santo Agostinho.[48] As Palavras da Instituição devem ser entendidas em seu sentido pleno e não de forma simbólica ou sentido metafórico.[49]
Para ser uma celebração válida do Sacramento do Altar, as Palavras da Instituição devem ser usadas para consagrar os elementos. Essas palavras de Cristo são eficazes mesmo em face de uma descrença ou imoralidade tanto por parte do celebrante como do comungante. O corpo e o sangue estão verdadeiramente presentes no Sacramento do Altar, e os comungantes recebem o corpo e o sangue do Senhor oralmente, não meramente de forma espiritual. Alguns recebem o Sacramento para salvação, fielmente crendo na palavra e promessa de Cristo. Outros, recebem o corpo e o sangue para seu próprio juízo, não discernindo ou reconhecendo o corpo e o sangue do Senhor, já que não têm fé.[50]
Se Cristo está presente no Sacramento, qual tipo de presença é essa? Esse problema foi uma preocupação para os teólogos na Idade Média. As Confissões definem, de forma mais ampla, o modo da presença do Senhor em termos negativos. As Confissões negam a teoria da transubstanciação. Elas negam a mudança de essência, tanto dos elementos terrenos ou celestes. Elas condenam um confinamento local para o corpo e o sangue de Cristo nos elementos terrenos. Elas condenam qualquer tipo de interpretação que sugira uma “ausência real” do corpo e o sangue de Cristo.[51]
Afirmamos a Presença Real. A pergunta, então, passa a ser como essa presença é possível? Aqui mantemos o nosso intelecto cativo em obediência a Cristo, assim como o fazemos em outros artigos de fé, aceitando esse mistério unicamente pela fé, assim como está revelado na Palavra.
Quando essa Presença Real ou união sacramental acontece? Os Livros Simbólicos não discutem o momento quando essa união sacramental inicia ou termina, com exceção da afirmação que se encontra na Fórmula de Concórdia, artigo VII, de que ela não acontece à parte do uso do Sacramento, conforme divinamente instituído. Ou seja, a consagração, a distribuição e a recepção oral. O fato simples é que, no Sacramento do Altar, o pão e o vinho são o corpo e o sangue de Cristo.
O propósito do Sacramento é conferir o perdão dos pecados no sentido mais pleno do termo. Mas o efeito do Sacramento é descrito de muitas outras maneiras: nossa fé é fortalecida em nós; lembramos os benefícios de Cristo e os recebemos por fé, de modo que somos renovados por meio deles; recebemos a garantia de que somos incorporados em Cristo, unidos a Ele e lavados pelo Seu sangue. O Sacramento do Altar é um remédio contra o pecado, a carne, o diabo, o mundo, a morte, o perigo e o inferno, e uma aplicação da graça, da vida, do paraíso, do céu, de Cristo, de Deus, e de todo o bem; um salva-guarda contra a morte e todos os males, um alimento para a alma, um nutrimento e um fortalecimento do novo homem, um pasto e um sustento diário, uma renovação da nossa fé nas lutas da vida, e um precioso antídoto contra o veneno da fraqueza.[52]
Uma das controvérsias cruciais da Reforma girou em torno do sacrifício. As Confissões afirmam que a Ceia do Senhor não é um sacrifício expiatório a ser aplicado em favor dos vivos e dos mortos. Entretanto, as Confissões também afirmam de que a Ceia do Senhor é um sacrifício de louvor e gratidão. No artigo XXIV da Apologia, Melanchthon claramente propõe o termo “sacrifício”. A cerimônia sacramental, como se afirma, é um sacrifício de louvor e ação de graças a Deus por todos os seus benefícios: “assim como entre os sacrifícios de louvor, isto é, entre os louvores de Deus, incluímos a pregação da palavra, assim pode ser louvor ou ação de graças o próprio recebimento da Ceia do Senhor.”[53]
O Sacramento é para ser celebrado na Igreja com grande reverência e obediência, até o fim do mundo. Os Confessores estavam convencidos de que eles celebravam a missa com maior dignidade e devoção, do que fizeram seus oponentes.
As Confissões enfatizam os aspectos corporativos da celebração sacramental. Sacerdotes, por exemplo, foram advertidos contra a celebração exclusiva de missas privadas, com a finalidade de celebrarem a sua própria Comunhão. O ideal, de acordo com os Livros Simbólicos, é a missa comum ou pública, na presença de toda a congregação no culto principal, pelo menos todos os Domingos e Dias Santos.[54] Com a restauração do Sacramento do Altar ao seu lugar histórico na vida da igreja, celebrações diárias privativas da Santa Ceia, realizadas à parte do culto corporativo, sem a presença do povo, ficam difíceis de ser sustentadas. Considerando que a celebração dominical tornou-se a norma, as Confissões indicam que o mesmo deve ser celebrado tão frequentemente quanto os comungantes o desejarem. A partir desta concepção, as Confissões contemplam a possibilidade de celebrá-lo diariamente.[55]
Entretanto, nenhuma regra pode ser estabelecida quanto à frequência da participação. Não há exceção quanto a esse princípio. As Confissões levemente tocam na questão da pessoa que permanece longe do Sacramento por um ano ou mais. Para assegurar que isto não aconteça, os ministros devem exortar os leigos à Comunhão frequente.[56] E, contrariamente à prática contemporânea, o celebrante pode receber o Sacramento de suas próprias mãos durante o culto.[57]

3. A Absolvição
Novamente encontramos uma variedade de nomes para a Absolvição. Ela é chamada de Confissão, Santa Absolvição, Poder das Chaves, as Chaves, Sacramento da Penitência.[58] Ao usar qualquer dessas designações, as Confissões Luteranas ou Livros Simbólicos, referem-se à confissão e absolvição privada, e não a um grupo de pessoas muitas vezes não identificáveis como no culto público.[59]
Nessa situação privativa, a efetiva confissão dos pecados perde a sua força legalista e a importância que ela tinha no período da pré-Reforma. A confissão pode ser breve, sem necessidade de distinguir pecados veniais e mortais. O penitente deveria confessar aqueles pecados que de forma especial oprimiam a sua consciência. Teologicamente, as Confissões Luteranas, ao enaltecerem os benefícios e a importância da confissão privada, focalizam especialmente a absolvição pronunciada pelo ministro: “eu perdôo os teus pecados...”.[60]
Assim como no Batismo e na Santa Ceia, este é o perdão dos pecados aplicado ao indivíduo, o qual é apropriado pela fé deste indivíduo no perdão dos pecados em Jesus Cristo. Esta é a forma de absolvição que dá especial conforto e consolação às consciências atribuladas pelo pecado. A certeza e o poder desta absolvição direta está baseada no poder das chaves (Mt 16.19; 18.18 e Jo 20.22-23), o poder que Deus exerce por meio de seus ministros da Palavra chamados, ou seja, pelo ministério público.
Várias influências, práticas e teológicas, gradativamente levaram a Confissão e Absolvição privada ao declínio. Derivada de práticas da pré-Reforma (o Confiteor do rito romano e as formas cúlticas de orações confessionais públicas [Offene Schuld] na Alemanha), confissões grupais no culto público tornaram-se comuns. Nestas situações, as formas de “absolvição” eram expressas por meio de orações de perdão, afirmações declaratórias (“eu vos declaro o perdão de todos os vossos pecados, etc.”), e por meio de declarações simples da graça, utilizando passagens genéricas da Escritura que falam do amor salvador de Deus em Cristo pela humanidade em pecado.
As formas de Confissão e Absolvição que se encontram nas Ordens I e II do Hinário Luterano, são adaptações de formas que apareceram em várias ordens do século XVI. Enquanto uma tem suas raízes na Confissão Privada e em situações confessionais envolvendo grupos menores e, portanto, mais direta e individualizada, a outra forma tem a intenção de ser mais geral ou uma Confissão de grupo preparatória para o culto público. Neste caso, seguida por uma declaração simples da graça na qual o pastor se inclui. Não é uma situação de pastor versus penitente, como em situações de confissão privada ou de pequenos grupos. Fica a critério do pastor a decisão pela conveniência de usar uma ou outra.[61]



[1] Esse capítulo está baseado na obra de Arthur Carl PIEPKORN, What the Symbolical Books of the Lutheran Church Have to Say About Worship and the Sacraments. Saint Louis, Concordia Publishing House, 1952.
[2] Livro de Concórdia, Cm II, p.371.6.
[3] Id. Ibid., CA VII, p.31.1-2.
[4] Id. Ibid., Símbolo de Atanásio, p.20.3 e Ap IV, p.144.228 e p.161.310.
[5] Id. Ibid., CM, p.396.17-21.
[6] Id. Ibid., FC Epítome, p.530.3, p.531.8-9; FC DS, p.656.8.
[7] Id. Ibid., CM, p.409.92 e 94.
[8] Id. Ibid., Ap XV, p.229.11-12; CA, p.70.3-4; AE III.XV, p.339.1-2.
[9] Id. Ibid., Ap XXIV, p.269.18-19, p.270.21-25, p.271.27-33, p.277.52-56; Ap IV, p. 174.385.
[10] Id. Ibid., Ap XXIV, p.273.33-34; CA XXIV, p.78.5 e 8.
[11] Id. Ibid., Ap XXIV, p.266.3; XV, p.229.13; CA XXIV, p.45.2-3.
[12] Id. ibid., Ap XXIV, p.266.2-5.
[13] Id. Ibid., CA XV, p.70.1; XX, p.74.40; XXIV, p.78.1-2; XXVI, p.84.40; Ap XV, p.233.40-43; XXIV, p.266.1-2 e p.277.50-51; Cm, p.379.1-11; CM, p.405.74.
[14] Id. Ibid., CA XXIV, p.78.13; AE II.II, pp.313.1-317.24; CM Prefácio, p.387.3.
[15] Id. Ibid., FC DS, X, p.656.9.
[16] Id. Ibid., CA XXVIII, p.90.53-57.
[17] Id. Ibid., CA XXVIII, p.89.34.
[18] Id. Ibid., FC Epítome X, p.530.5, p.531.12; FC DS, X, p.656.9, p.659.25, p.660.30.
[19] Id. Ibid., Ap XV, p.232.31.
[20] Id. Ibid., Ap XXVIII, p.302.14 - p.303.20.
[21] James F. WHITE, op. cit., pp.133 e137. Em seu livro, WHITE aborda o assunto amplamente, cf. pp.133-152.
[22] Livro de Concórdia, Ap XIII, p.223.2.
[23] Id. Ibid., AE III.IV, p.333.2. Agostinho diz: “Accedat verbum ad elementum et fit sacramentum.”
[24] Id. Ibid., CM IV, p.474.1.
[25] Id. Ibid., Ap XIII, p.223.4.
[26] Id. Ibid., Ap XIII, p.224.11 e p.225.14-15.
[27] Id. Ibid., Ap XIII, p.224.6.
[28] Id. Ibid., Ap XXIV, p.280.69; VII e VIII, p.177.3 e 5.
[29] Id. Ibid., Ap VII e VIII, p.182.28.
[30] Id. Ibid., CM IV, p.478.29-30.
[31] Id. Ibid., Ap XI, p.190.3
[32] Id. Ibid., Tractatus, p.356.67. “A Reforma trouxe a percepção de que todos os cristãos poderiam exercer um papel sacerdotal confessando e perdoando-se uns aos outros. Porém muitas vezes onde o poder está à disposição de todos, ele não é exercido por ninguém. Todas as tradições protestantes julgaram necessários padrões de disciplina e julgamento, embora os meios de execução variassem. Calvino vinculou à eucaristia a ação disciplinar de excluir da comunhão (i.e, excluir pecadores notórios 1 Co 11.27), sendo que Wesley exigia tíquetes de comunhão dos membros de suas classes. Ambas as práticas sobrecarregavam a eucaristia com um indevido fardo disciplinar.” J.F. WHITE, op. cit., p.209.
[33] Livro de Concórdia., CA, p.34.1.
[34] Id. Ibid., Ap XII, p.197.42; XIII, p.225.14; XXIV, p.276.49.
[35] Id. Ibid., Ap VII e VIII, p.177.3, p.180.19; CM IV, p.487.16 - p.488.17.
[36] Id. Ibid., Ap XIII, p.225.18; XXIV, p.280.68; CA XIII, p.34.1-2; XXIV, p.46.30; Ap XII, p.194.12, p. 195.25.
[37] Id. Ibid., CM IV, p.476.14 e 17; Cm IV-III, p.376.10.
[38] Id. Ibid., CM IV, p.476.15; p.479.36; p.483.65 e p.484.68.
[39] Id. Ibid., CM IV. p.475.6.
[40] Id. Ibid., CM IV, p.484.75; Cm IV-II, p.375.6; CM IV, p.479.41, p.485.83.
[41] Id. Ibid., Ap II, p.106.35; FC DS II, p.573.69; Cm IV-IV, p.376.12; CM IV, p.483.65.
[42] Id. Ibid., CM IV, p.485.77-78.
[43] Id. Ibid., Ap IX, p.187.1ss; AE V, p.333.4; FC Epítome, p.536.6.
[44] Segundo WHITE, o termo eucaristia tem sido usado desde o final do século 1., op. cit., p.175.
[45] Livro de Concórdia, Ap XXIV, p.282.78 - p.284.88; CM IV, p.490.39.
[46] Id. Ibid., Ap X, p.188.1; Cm VI, p.378.1 e 2; FC DS VII, p.611.9.
[47] Id. Ibid., FC Epítome, p.523.40; FC DS VII, p.633.126.
[48] Conferir acima a nota de no 37.
[49] Livro de Concórdia., FC Epítome VII, p.519.7; FC DS VII, p.617.38 e 39.
[50] Id. Ibid., CM IV, p.493.61 e 69; FC Epítome VII, p.521.18; FC DS VII, p.621.60 e p. 623.68.
[51] Id. Ibid., AE III - VI, p.334.5; FC DS VII, p. 612.14, p.616.35.
[52] Id. Ibid., Ap XXIV, p.285.90; CM IV, p.488.23 e 24, p.493.68; FC DS VIII, p.650.76.
[53] Id. Ibid., Ap XXIV, p.273.33.
[54] Id. Ibid., Ap XXIV, p.266.6; AE II.II, p.314.8.
[55] James F. WHITE observa que: “a tentativa da maioria dos reformadores de restaurar a comunhão freqüente para os leigos teria sido um ganho formidável para os leigos, não fosse essa uma mudança demasiadamente radical em relação à prática medieval tardia de recepção pouco freqüente do sacramento...Porém alcançaram ganhos claros no culto sacramental por meio de ritos vernaculares simplificados, maior participação da congregação, canto comunitário, leigos bem catequizados e uma nova ênfase na pregação da palavra.” Op. cit., p.144.
[56] Id. Ibid., Cm Prefácio,p.365.21 e 22.
[57] Segundo Luther D. REED, Lutero não só aprovava a auto-comunhão, como repetidamente a defendeu (deinde communicet tum sese, tum populum) [Formula Missae]. E, por quase duas gerações este ato litúrgico era comum nos cultos luteranos. Mais tarde, com o declínio da percepção e do conhecimento litúrgico, o biblicismo dogmático e o subjetivismo pietista provocaram seu abandono. Contudo, os dogmáticos, permitem seu uso quando não há um outro ministro presente na celebração. E os Artigos de Esmalcalde [parte II, artigo 2] proíbem a auto-comunhão apenas quando envolve a recepção à parte da congregação. Ainda, segundo Reed, Chemnitz afirma que assim como o ministro se inclui na Confissão e Absolvição, ele também pode se incluir na Comunhão. O ministro não deveria ser exigido a participar de todas as celebrações, nem deveria ser impedido de comungar sempre que desejasse. (The Lutheran Liturgy, p.372).
[58] Livro de Concórdia, Ap XII, p.197.39, 41; XIII p.223.4.
[59] Id. Ibid., Ap XII, p.208.99-103; Ap XXIV, p.266.1.
[60] Id. Ibid., AE III-VIII, p.335.1 e 2.
[61] Nelson KIRST alerta para o fato de que “Lutero não incluiu um ato penitencial nas duas grandes liturgias que elaborou (1523 e 1526). Algumas tradições protestantes “democratizaram” a antiga oração preparatória dos oficiantes. Essa oração preparatória “democratizada” passou a ser entendida como confissão de pecados e, como tal, entrou no culto regular de muitas tradições depois da Reforma.” Op. cit., p.125.

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