A Divindade do Culto
Introdução
No ano em que a IELB adota o lema Adorando como Filhos de Deus, ela se
sente no desafio de refletir e estudar sobre sua vida de culto. Este lema já
vem pronto com, pelo menos, duas verdades próprias da igreja: “adoração” e “ser
filhos de Deus”. De fato, só quem é filho de Deus pela fé em Cristo, é que pode
adorar a Deus. Em consequência este lema já nos responde que o culto é divino,
pois ele vem de Deus e é para Deus e Deus o recebe como resposta dos seus
filhos.
1. Conceito de Culto
O termo “culto” tem sua origem na língua
latina, “cultus” que quer dizer: “acatamento, reverência”. Pode-nos parecer um
tanto vago este significado. Mas culto cristão, justamente porque vem de Deus e
é o culto dos filhos de Deus, caminha sempre nestas duas direções: acatamento e
reverência. E isso o faz ser divino, porque os cristãos o recebem de Deus e com
o culto mesmo respondem a Deus.
Nós iniciamos o culto invocando a presença
do Deus Triúno, Pai, Filho e Espírito Santo. Nesta invocação estamos pedindo
que o único Deus verdadeiro esteja presente em nosso meio. Por ser realizado em
nome de Deus, ele tem a sua fonte em Deus, que se faz presente pela Palavra e
os sacramentos e em resposta é oferecido a Deus. Por isso ele é de Deus, é
divino. Pois os meios da graça são seus e nós pela fé em Cristo também.
E como Deus realiza todos os seus
propósitos por meio de Cristo, o culto também é realizado em e por meio de
Cristo. Ele está centralizado e culmina na pessoa e obra de Cristo. Ou seja,
tudo aquilo que Deus faz por nós e aquilo que ele recebe de nós, só é possível por
meio de Cristo. Pois enfim, Cristo cumpriu todos os propósitos de Deus e por
meio dele concretizou a nova aliança. Desta forma, Deus realiza e recebe o
culto, por meio de Cristo. A adoração só é possível, verdadeira e agradável ao
Senhor quando está centralizada em Cristo. Fora dele não há culto verdadeiro. O
Senhor Jesus mesmo promete: “Porque, onde
estiverem dois ou três reunidos em meu nome, ali estou no meio deles” (Mt
18.20). Por isso o culto verdadeiro só é praticado por cristãos, porque eles têm
a fé em Cristo o Salvador. Assim, é salutar e próprio que o culto esteja
permeado de solenidade, respeito e reverência, porque o Senhor está presente.
Desta forma o culto não pode ser visto
como um programa qualquer, onde se leva a Deus a adoração e volta-se para casa,
como que aliviado de uma tarefa cumprida. Também não é uma terapia momentânea,
como se ele fosse algo próprio para curar todos os tipos de males. É preciso
cuidar para não fazer do ser humano o centro do culto. Quando nos reunimos com
os irmãos na fé, em torno da Palavra e sacramentos, estamos certos de que o
Senhor está presente. Tudo o que for pregado, dito, ensinado e realizado deve
ser de Deus e para Deus. Temos que ter consciência disso, do contrário ele será
apenas um laboratório de experiências.
Sendo divino ele é a própria vida da
igreja. E esta vida é atualizada e revitalizada pelos meios da graça. Firmado
neles, o culto é a expressão máxima da nossa fé em Deus, pois a fé é criada e
edificada mediante os meios da graça, que são os elementos próprios do culto.
Sendo divino, os frutos do culto não podem
ser medidos pelos nossos esforços, mas pela ação de Deus no culto. É Deus quem
age por meio dos meios da graça e não o ministro. Não deveríamos ir ao culto
apenas para prestigiar o pregador como se o efeito da pregação fosse do
pregador e não de Deus.
2. O culto na Bíblia
Como povo de Deus cremos e confessamos que
a Bíblia é a infalível e inspirada Palavra de Deus. Ela é a única verdade
realmente digna de aceitação. Só ela é a fonte que pode reger a fé e a prática
da igreja. Desta maneira, todo o seu ensino precisa ser o guia para a nossa
vida de fé e obras diárias. O mesmo vale em termos de adoração e culto. Toda a
nossa adoração precisa se espelhar naquilo que a Bíblia fala do assunto.
E a nossa maneira de cultuar tem sua
origem no Antigo Testamento. Em Gênesis nos é relatado como Deus chamou seu
servo Abraão. Ele queria formar, por meio dele, a grande nação do povo de
Israel. Este povo deveria servir como instrumento de Deus. No meio dele, Deus
queria encarnar o seu Filho, descendente de Abraão, para salvar a humanidade do
seu pecado. “Para que isso realmente acontecesse, Iahweh e Israel precisavam
estar juntos em comunhão. Foi então que entraram em aliança. Esta aliança se
resume em três sentenças: Eu sou o teu Deus! Tu és o meu povo! Habitarei no
meio de ti! Daí para frente Deus e o seu povo estavam juntos, “casados”. Ambos
deviam ser fiéis um ao outro. Deus sempre o foi, Israel não”[1].
Para que o povo vivesse e demonstrasse a
fidelidade deste “casamento”, Deus instituiu o culto. O culto passaria a ser a
maneira de autenticar este relacionamento entre Deus e o homem. E a vivência
prática deste culto seria guardando a lei de Deus. Quando o povo deixava de ser
fiel, rompia-se a aliança e o culto passava não ter mais sentido. Se o culto
não viesse acompanhado de uma fé sincera, Deus até o rejeitava e com palavras
muito duras: “...não posso suportar iniquidade
associada ao ajuntamento solene” (Is 1.13); “...quando multiplicais as vossas orações, não as ouço, porque as
vossas mãos estão cheias de sangue”(Is 1.15). Veja mais em Is 1.10-17; Os
6.6; 11.1ss, Jr 6.20; Am 5.21-27 Portanto o culto bíblico nasce nesta visão de
casamento, onde há dois lados: o lado de Deus e o lado de Israel, um mútuo dar
e receber.
Um breve estudo da terminologia cúltica[2]
da Bíblia demonstra a maneira como Israel cultuava a Iahweh. No Antigo
Testamento esta parte é expressa pelos verbos: 1) Sharat: “servir,
ministrar”(Dt 10.8; 1Sm 2.11; 3.1). 2) ‘abad: “servir, cultivar,
trabalhar, escravizar”. Originalmente este verbo referia-se ao trabalho
executado pelos escravos ou empregados. No Antigo Testamento é muitas vezes
usado com relação a Deus e carrega o sentido de “adorar” (Êx 3.12: Dt 6.13; Sl
100.2). 3) Shachah: “prostrar-se, inclinar-se” e, consequentemente,
“adorar”. Originalmente denotava prostração ou inclinação como sinal de
respeito por alguém (Gn 18.2). Mesmo que este termo seja muito usado com
relação a homens e aos falsos deuses, é também comum no sentido de “aparecer”
diante do Senhor em culto (Êx 34.8; 1Sm 15.25; Jr 7.2). Estes verbos mostram
que adorar é servir a Deus, é ministrar-lhe, é cultivá-lo, é trabalhar para
ele, mas é um servir “prostrado, inclinado”, ou seja, numa atitude de
verdadeira submissão e sincera reverência ao Senhor. Adorar ao Senhor do universo,
requer uma reverência inclinada e prostrada, isso tanto em atitudes externas
como na mudança do coração. É um gesto lindo quando vamos à Santa Ceia e
dobramos os joelhos ou inclinamos a cabeça. Mas será melhor ainda, quando
pudermos ampliar este leque de reverência em todo o culto, talvez fazendo o
sinal da cruz ao entrar no templo, ou dizendo um “amém” junto com o ministro, ou
ficando em silêncio antes do início do culto. Mas toda esta reverência não terá
sentido se o coração não estiver inclinado a Deus.
No Novo Testamento há vários termos
vinculados ao culto. 1) Latreuo, latreia: o verbo latreuo
significa “adorar, servir ” no sentido de executar serviços religiosos. O
substantivo latreia significa “serviço, culto, adoração”(Jo 16.2; Rm
1.9; 9.4; Hb 9.1,9,14; Mt 4.10; Lc 1.74; At 7.7; 26.7; 2Tm 1.3). 2) Proskyneo:
significa “prostrar-se, adorar, reverenciar, prestar obediência”(Mt 4.9-10,18,26;
Jo 4.20-21,23-24; At 7.43; 10.25). É usado tanto para prostrar-se diante de
Deus como de homens, deuses falsos e até do diabo. 3) Leiturgeo:
significa “executar um serviço de natureza religiosa ou cúltica (Hb 10.11; At
13.2; Rm 15.27). Deste verbo provém o termo leiturgia (liturgia para
nós) que é uma junção de duas palavras gregas “laós” e “érgon” que literalmente
significa “serviço do povo”. Na vida civil, este termo era usado para designar
o serviço que o povo prestava ao seu estado. A igreja cristã usou este termo
para designar o serviço que o povo de Deus presta ao seu Senhor. 4). Por fim
aparecem outros termos ligados ao culto: threskéia “religião, culto”; synerchestai:
“reunir-se” synagesthai: “ajuntar-se”. Na verdade, é isso que a igreja
faz, reunir-se em torno daquilo que é central no culto: a palavra e os
sacramentos.
Esta terminologia demonstra que, quanto à
adoração, os significados dos termos entre o AT e o NT, praticamente são os
mesmos. Tudo aponta para o servir a Deus. “No entanto, há uma grande diferença
entre os cultos das duas alianças: no AT todo culto, especialmente os
sacrifícios, apontavam para a vinda de Cristo. No NT, Cristo já veio e o culto
é fundamentado a partir de Cristo, especialmente a partir de sua ressurreição,
razão da escolha do domingo como o dia por excelência do culto”[3].
Por esta terminologia vimos apenas um lado
do culto, o lado da adoração do homem a Deus. Mas em toda sua Palavra Deus
mostra como vem a nós. A própria instituição do culto é a prova do amor de
Deus. No AT, os animais sacrificados apontavam para Cristo, que viria para dar
a vida para o nosso perdão. Por meio dos profetas Deus não se cansou de repetir
a promessa da vinda do Messias. Mesmo que o seu povo não cumprisse sempre com a
aliança que fizera, Deus sempre disse que era rico em perdoar. Antes mesmo de o
povo de Israel ser levado ao cativeiro babilônico, Deus já falava em reuni-lo
novamente. Quando Deus fala ao povo na parte da aliança que toca a ele, as suas
palavras são de profundo amor e consolo, mesmo naquelas que ele chama ao
arrependimento.(Is 18.1; Jr 31.31-40; Ez 34.11-16; 33.11).
No NT, Deus continua mostrando como ele
cumpre a sua parte do acordo. A própria vinda de Cristo é o cumprimento da nova
aliança. O Batismo e a Santa Ceia são instituições de Cristo que nos conferem o
perdão e a própria salvação. Ambos fazem parte do culto. Nos cultos tanto do AT
como do NT, Deus vem ao homem com sua Palavra, garantindo por meio dela, o
perdão que ele mesmo providenciou por meio de Cristo.
Estes dois lados do culto passam por toda
a Bíblia. (Veja Êx 3.2; Dt 10.8; 1Sm 3; Jr 7.2; Mt 4.19-20; Jo 1.32ss). Toda
vida cristã é assim. Ninguém pode adorar a Deus sem Deus ter feito a sua parte
antes. Do contrário não poderia mesmo haver culto. O ser humano somente pode
estar em comunhão com Deus, quando Deus está em comunhão com ele. Nós somente
podemos servir a Deus em culto, porque ele se serviu em amor por nós. Em outras
palavras isso é justificação e santificação. No dizer do apóstolo João, “nós
amamos porque Deus nos amou primeiro” (1 Jo 4.19).
Compreender a divindade do culto de hoje,
requer aceitar que ele funciona até hoje com estas duas partes. Na língua alemã
a palavra “Gottesdienst”, culto,
designa bem estas duas partes. Esta palavra pode ser lida tanto como “serviço
prestado a Deus”, como “serviço que Deus nos presta”.
Estes dois lados formam um diálogo entre
Deus, que age por meio da Palavra e sacramentos, e o homem, que responde com os
frutos da fé. Na linguagem cúltica chamamos isso de parte sacramental e parte
sacrificial. Ele vem de Deus e é para Deus. Deus ao mesmo tempo é o objeto e o
sujeito do culto, no qual ele serve e é servido. Na parte sacramental, falamos
que Deus vem ao encontro do pecador e lhe oferece o que tem de melhor para dar:
a boa notícia do perdão e da salvação em Cristo, tudo por meio da Palavra e dos
sacramentos.
Por outro lado culto é o serviço com o
qual nós respondemos a Deus. Esta é a parte sacrificial. E nós respondemos com
os cânticos, orações e ofertas. Mas a nossa parte do culto é apenas uma
resposta ao serviço de Deus, a outra parte é de Deus e, por isso ele é divino.
E nós somente podemos responder a Deus, porque ele fez a parte dele primeiro. O
serviço do povo de Deus é consequência do serviço que Deus presta ao seu povo.
Por isso, quando não respondemos, o culto vira um monólogo divino. Se, por
outro lado, apenas levamos a Deus as nossas angústias e necessidades, sem ouvir
a Deus, o culto passa a girar em torno do homem e perde o objetivo.
Pois nesta perspectiva, se cremos que o
culto de fato é uma resposta nossa ao que Deus fez por nós, então é preciso termos
consciência em oferecer a Deus o melhor do que temos. É fundamental que o nosso
cantar, nossas ofertas e nossas orações e nossa maneira de viver expressem de
fato a nossa alegria que temos pela salvação. É significativo que o culto
esteja “recheado” de respeito, reverência, amor e honra àquele que é digno de
tudo isto tanto da parte do ministro como da parte da congregação.
3. Lutero e o Culto Cristão
Como herdeiros da Reforma, temos também
uma herança cúltica luterana. Compreender a divindade do culto requer
compreendê-lo também no pensamento de Lutero.
Em 1521, enquanto Lutero permanecia no
esconderijo involuntário, o Dr. Karlstadt e amigos, promoveram uma reforma precipitada
dos costumes da igreja e introduziram inovações para as quais o povo ainda não
estava preparado. Rejeitando a ação de Karlstadt e por outro lado aproveitando
o momento da confusão que se criou em Wittemberg, Lutero não voltou
simplesmente ao tradicional. Mas firmado na certeza de que o centro do culto é
a Palavra de Deus, promoveu lentamente uma reforma consciente e orientada por
esta Palavra.
Nos seus escritos sobre culto, liturgia e
música, nas suas ordens de culto, nas litanias e coletas, Lutero insiste em
firmar a Palavra de Deus como elemento principal do culto.[4]
Considerando que no seu tempo as missas,
em grande parte, eram realizadas como obra necessária para a salvação, a
Palavra não era considerada fundamental para o culto. Mas Lutero condena este
aspecto. Para ele, a Palavra é mais importante do que o próprio culto em si.
Ele até aconselhou o cancelamento das missas diárias justamente porque elas
tinham este caráter meritório. Para Lutero o culto existe para se pregar e
ouvir o evangelho, para se receber o sacramento, para se educar o povo nas
Escrituras e para oração[5].
Para Lutero, a congregação nunca devia se reunir sem a pregação da Palavra e
oração.
O fator instrutivo do culto, para Lutero,
é algo que não pode ficar só no culto. Apenas ouvir sermões, não se aprende o
suficiente para dar respostas a respeito da fé. Ele recomendava que as crianças
recitassem versículos em casa e os jovens e empregados fossem instruídos nos
mandamentos e no Pai-nosso. E para saber se aprenderam deviam ser perguntados
sobre cada ponto.[6]
Para dar esta continuidade do culto em casa, Lutero preparou os catecismos
maior e menor.
Mas Lutero tem grande convicção da
liberdade cristã. Seu conceito de culto e liturgia não foge disso. Ao descrever
como usavam a ordem de culto e as ordens de Vésperas e Matinas em Wittemberg,
bem como sobre a participação na santa ceia, confissão particular e vestimentas
clericais, Lutero quer incentivar uma uniformidade de culto, pois com muitas
ordens diferentes o povo será confundido e não vai aprender nada[7].
Para ele a liberdade cristã existe também nestas ordens e sem medo de mudar. Ela
deve ficar na consciência de cada um e não deve ser proibida. No entanto, para
Lutero o amor ao próximo precisa falar mais alto. Se o povo simples não está
sendo edificado, mas pelo contrário, confundido, Lutero pensa que os pregadores
então perdem esta liberdade de fazer mudanças na ordem do culto. E neste caso
ela precisa ser suspendida para manter uma forma única. As ordens de culto
devem servir para promover a fé e o amor e não para prejuízo da fé. Os
pregadores, portanto, precisam considerar a edificação do povo simples. Por
isso Lutero argumenta que, pela fé somos livres, mas pelo amor submissos ao
próximo e obrigados a servi-lo na sua edificação[8].
Esse conceito de liberdade cristã no
culto, sempre precisa ser revisto dentro da IELB. Quando não se tem clareza
dele, pode-se cair no erro de simplesmente descartar o que é tradicional, como
se fosse coisa ultrapassada. Por outro lado, por falta desta clareza, não se
promove reformas no culto e liturgia, com medo de que algo novo não possa
trazer a edificação do povo de Deus.
Em Lutero percebe-se muito o aspecto da
reverência no culto. Ele insiste na disciplina e no decoro[9].
Para Lutero culto é algo muito sagrado, no qual deve haver atenção e nada pode
distrair, pois nele se prega a Palavra e se administra os sacramentos. Por
isso, batismo e santa ceia recebem de Lutero grande importância no culto e
também na vida pessoal. Em 1523 Lutero publicou “A Ordem de Batismo”[10]
que mais tarde recebeu uma nova versão. Na primeira edição Lutero manteve o uso
do óleo para unção, a saliva e a terra nas orelhas e no nariz, e o sal na boca
que eram simbolismos tradicionais do rito latino. Mas na revisão, Lutero
argumenta que estes aspectos exteriores são de menos importância, pois não é
deles que o diabo foge. O que importa é a verdadeira fé, orar junto e ouvir a
Palavra de Deus com seriedade. Nesta ordem, a questão da fé é tocada de forma
persistente. Para Lutero, o ato do batismo deve também ter o aspecto
instrutivo. O sacerdote, que administra o batismo, deve falar as orações de
forma clara e devagar, para que os padrinhos e aqueles que participam possam
acompanhar no coração as palavras da oração.
Outro aspecto com o qual Lutero mostrou o
quanto ele considerava a divindade do culto é a sua grande contribuição com hinos[11].
Lutero foi um poeta, por excelência. O conteúdo deles é profundamente
escriturístico, teológico, doutrinário e de uma linguagem inquestionável. Os
seus hinos foram de fundamental importância para a Reforma. O povo que durante
muitos não cantava na igreja, passou a cantar. Principalmente com os hinos,
Lutero restaurou a participação do povo no culto, o que antes pertencia quase
só aos sacerdotes. O povo era um mero espectador do culto. A resposta do povo
havia sido prejudicada.
4. O Objetivo do Culto
A ordem de Cristo é “fazei isto em memória
de mim”. Fazer em memória significa muito mais do que apenas relembrar fatos.
Significa tornar presente e conhecida toda a obra de Cristo, pois em Cristo
tudo se cumpre. Por isso, o culto está centralizado em Cristo. Podemos então
dizer que, acima de tudo, celebramos culto por causa da ordem de Cristo, que o
estabeleceu ao instituir aquilo que é próprio dele: pregação da palavra e
sacramentos. Mas Cristo não veio para servir a si próprio, mas para servir a nós,
dando a vida para salvar o mundo do seu pecado. Ele não precisaria ter
realizado a sua obra se não fosse o seu amor pelo pecador. Esta é a grande e
boa notícia. Fazer em memória é tornar pública esta boa notícia através do
culto.
No culto, confessamos as nossas fraquezas que nos separam um
do outro e de Deus e prometemos viver para ele e no amor para com o próximo. Na
absolvição somos certificados de que Deus, por meio de Cristo, já nos uniu num
novo caminho, no qual Deus mesmo vem para falar conosco e nós com ele. Isso é
comunhão e crescimento. Este é um dos objetivos do culto. O culto divino
centraliza a nossa vida espiritual em Deus e Deus em nós e nos une como irmãos
na fé.
Mas este culto não termina com a bênção e os avisos. E este é
outro objetivo[12].
Não é possível fazer separação entre culto e vida. O culto prestado a Deus no
domingo precisa estar refletido na existência diária do cristão. O verdadeiro
culto cristão requer verdadeira vida cristã. A vivência da fé é a continuidade
do culto e requer coerência entre culto e vida. O apóstolo Paulo chama isso de
“culto racional” (Rm 12.1). No culto somos constrangidos, pelo amor de Deus, a
viver a continuação do culto, no dia-a-dia, testemunhando nossa fé. Aquilo que
se vive no culto precisa ser o mesmo da vida diária. Essa é a liturgia da vida
cristã, que o culto público reproduz.
·
No
culto invocamos a Deus e no dia-a-dia pedimos a sua presença em nossa vida.
·
No
culto confessamos nossos pecados e na vida diária precisamos buscar o perdão de
Deus, confessando os pecados.
·
No
culto ouvimos a proclamação do evangelho que nos diz que todos são pecadores,
mas que em Cristo há perdão para todos os que creem.
·
Lá no
trabalho, na escola, junto com os amigos damos este testemunho.
·
O
culto está centralizado na palavra e sacramentos. Pois é por meio deles que
Deus nos dá a força para vivermos a nossa fé.
·
No
culto levamos as nossas ofertas para a missão de Deus. A nossa vida de fé é uma
constante oferta com tudo o que somos e temos para Deus e para o próximo.
Esta relação entre culto e vida precisa
estar clara para todos os cristãos. Quando se reúnem em culto, os cristãos
querem repetir a liturgia na vida. Quando não há esta ligação entre culto
público e vida cristã, a fé cai num fracasso e a razão domina. Daí é importante
explicar aos membros a liturgia e o sentido do culto para que ele não se
esvazie dentro das paredes do templo.
O culto sendo divino, não tem um fim em si
mesmo, mas tem uma dimensão missionária. Do contrário não faria sentido
realizá-lo. Este é o objetivo missionário do culto. Pois ele não é um encontro
isolado de uma elite espiritual, que apenas medita para um crescimento pessoal.
Pelo contrário, o culto quer ser a manifestação aberta da obra de Cristo e do
serviço dos crentes no mundo em que vivem. O culto recebe as pessoas que vêm do
mundo e as prepara para o testemunho no mundo. No culto público, os filhos de
Deus manifestam ao mundo não-cristão, a sua confissão de fé e o seu ensino
cristão. Por isso, culto e missão sempre estão ligados. O fato de um grupo se
reunir, já é um testemunho da fé. Mas o consolo da obra de Cristo que levam do
culto para o seu viver diário é mais ainda. Esta é a demonstração de que eles
não “podem parar de falar do que viram e ouviram” (At 2.20). Por isso é
essencial que nele tenha pregação clara de lei e evangelho. Se houver apenas
lei, as pessoas sairão do culto massacradas, sem a força do evangelho para
testemunhar. Se houver apenas evangelho, sem a pregação do juízo de Deus, o
povo não vai reconhecer sua dependência em Deus e não vai ver a necessidade de
testemunhar.
Conclusão
É maravilhoso saber que, por Cristo e pela
fé, somos filhos de Deus e herdeiros do céu. Como filhos de Deus temos ainda a
alegria de saber que o seu grande amor, revelado em Cristo, é pregação de todos
os cultos. Isso faz com que o culto seja parte própria da vida dos filhos de
Deus. Firmados neste amor, participemos de todos os cultos que tivermos
oportunidade, adorando-o sempre como filhos de Deus.
Questões para o grupo debater
Comente
as seguintes questões:
1. “Os cultos do pastor Antiginides são muito
frios e tradicionais. Prefiro os cultos do pastor Silvanovich. Eles são alegres
e dinâmicos e interativos”. Esse dinamismo é essencial para a divindade do culto?
2. “Ouço programas evangélicos pelo rádio,
leio a Bíblia e oro em casa. Por isso acho que não preciso ir aos cultos”.
3. Comente sobre a dimensão missionária do
culto. Nossos cultos são missionários? Nossos cultos levam à missão? Nossa
evangelização parte do culto? Nossos programas de evangelização levam ao culto?
Bibliografia
Livros
BELLOTO, Nilo. Nós e o Culto. Um Estudo da Liturgia Cristã.
São Bernardo do Campo. Faculdade de Teologia do IMS, 1977
BRAND, Eugene L. e outros. O Culto Luterano. Trad. Getúlio
Bertelli. São Leopoldo: Editora Sinodal, 1982
HUSTAD, Donald P. A Música na Igreja. 1. ed. reimpressa. Trad.
de Adiel Almeida de Oliveira. São
Paulo: Edições Vida Nova, 1991
LUTHER, Martin. Luther’s Works
Vol.53 Liturgy and Hymns.Edited by Ulrich LEOPOLD. Philadelphia: Fortress
Press, l965
SEIBERT, Erni Walter. Congregação Cristã: Enfoques Teológicos e
Práticos. São Paulo: EST ICSP. 1988 Pp. 51-63
Artigos
BLUM, Raul. O Culto Público é o Grande Acontecimento da
Congregação. In Lar Cristão 1981 p. 77
BLUM, Raul. Os Oficiantes do Culto. In: Mensageiro
Luterano, Janeiro, 1977 p. 15
BLUM, Raul. O Vosso Culto Racional. In: Mensageiro
Luterano, Junho de 1977 p. 27
BLUM, Raul. Culto Cristão. Curso de Diaconia em
Educação Cristã. ICSP
REED, Luther. O Culto e Seus Componentes. IN: Preciso
Falar Vol. V-B Auxílios Homiléticos. Porto Alegre: DEP - IELB, 1985
ROOS, Deomar. Adoração Uma Perspectiva Bíblica. Primeira
Parte. In Vox Concordiana Suplemento Teológico, Ano 5 nº 2 1989 pp. 38-48,
São Paulo: ICSP
ROOS,
Deomar. Adoração Uma Perspectiva Bíblica.
Segunda Parte. In Vox Concordiana
Suplemento Teológico, Ano 6, nº 1, 1990 pp. 06-22.São Paulo: ICSP
SCHMIDT, João Carlos. O Lugar da Santa Ceia no Culto da Igreja. Igreja
Luterana Vol 55, nº 2, 1996 pp. 173-180. São Leopoldo: CEC
SCHWALEMBERG, Rubens. Lutero e o Culto Cristão. In Igreja
Luterana IV Trimestre, 1983 p.24.
SCHOLZ, Vilson. O que é Culto In Mensageiro Luterano. Fevereiro-Março
de 1988 p. 24
SCHOLZ, Vilson. A Novidade do Culto Cristão Expresso no Uso
da Terminologia Cúltica do Novo Testamento. In Vox Concordiana Suplemento
Teológico. 1995, ano 1, nº 1, p.35
Rev. David Karnopp
Panambi-RS
[1] Deomar ROOS. Adoração: Uma Perspectiva Bíblica. In
Vox concordia Suplemento Teológico, Ano 5 nº 2, 1989 p. 38.
[2] Esta
terminologia é baseada no trabalho de Deomar ROOS acima citado, e que é uma
excelente indicação para um estudo mais aprofundado. A segunda parte dele
prossegue em Vox Concordiana Suplemento Teológico Ano 6, nº 1, 1990 pp. 06-22.
[3] Raul BLUM. Culto Cristão. Curso de Diaconia em
Educação Cristã. ICSP.
[4] Martin LUTHER. Luther’s
Works Vol.53 Liturgy and Hymns. Edited by Ulrich LEOPOLD. Philadelphia:
Fortress Press, l965. Veja principalmente em Concerning The Order Of Public Worship pp. 11-14.
[5] Idem pp. 11-14, 25, 62, 90.
[6] Idem p.67.
[7] Idem: Veja principalmente os escritos “A Christian Exhortation To The Livonians
Concerning Public Worship And Concord” e “The German Mass And Order Of Service” pp. 41-90.
[8]Idem pp.47,48,
61,80.
[9] Na Santa Ceia,
por exemplo, ele recomenda que as mulheres não participem junto com os homens,
mas primeiro os homens e depois as mulheres. Eles também devem permanecer em
lugares diferentes no culto. Compreender este conceito em nossos dias de
conquistas pela liberdade, é seguramente um pouco complicado. Imagino que, por
um lado, Lutero não esteja falando nada além do que era costume na época. Por
outro, imagino que Lutero pense que, participar junto com a esposa possa gerar
distrações.
[10] Idem pp.95- 109.
[11] Não é possível
descrever aqui toda a história da música em Lutero. Um estudo mais aprofundado
é indispensável para quem quer compreender melhor o conceito de culto em
Lutero. Disponho de um trabalho neste assunto ainda não publicado.
[12] Veja em Erni
Walter SEIBERT. Congregação Cristã:
Enfoques Teológicos e Práticos. São Paulo: EST ICSP. 1988 p. 52
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