ESTUDO 5 - A MÚSICA NO CULTO
I- IMPORTÂNCIA:
A música, sem dúvida, é a mais
internacional das artes e elemento que identifica os povos e comunica sua
cultura. Segundo os gregos, ela é a arte dos deuses e é um mistério divino. Os
chineses acreditavam que a música exercia influência moral sobre os costumes e
sobre a formação do cidadão. Confúcio dizia: "Quereis saber se um país é
bem governado ou nele reinam bons costumes? Ouvi a sua música". Para
muitos, a música é a arte que fala a linguagem do coração, a linguagem das
emoções.
Quando pensamos na Música Sacra, podemos dizer que ela é a
arte que brota da cruz e é levada até a cruz; arte que é dedicada ao serviço de
Deus e à edificação da igreja. Ela não é um fim em si mesma, não é uma arte
livre ( arte pela arte ), mas está a serviço do reino de Deus, e mais, deixa de
ter maior importância, à medida que deixa de cumprir a sua função de meio (de
proclamação do evangelho).
I.1- Informações Históricas
Para os povos primitivos, viver era ser
artístico. A arte era, até mesmo, uma forma de dar identidade à tribo ou clã,
de acrescentar intensidade à vida diária e à sua labuta, à caça, à religião,
família ou festividades tribais. Música e Religião tinham tudo em comum, pois
as primeiras manifestações musicais estavam intimamente ligadas à religião, ao
divino, ao sobrenatural. Os primeiros sons musicais podiam ser tanto uma forma
de louvor como um elemento para aplacar a ira dos deuses. Nas religiões pagãs,
a superstição, o medo, o culto à natureza estavam presentes. As forças da
natureza influenciavam muito na composição musical. A música também era um elemento
de alegria, de comunicação, de celebrações e até lamentações. Mesmo que todos
os membros da tribo compartilhassem da arte na vida diária, havia especialistas
que a compunham e executavam.
I.1.1- Antigo Testamento
Na Escritura ( Gn 4.20-21 ) é mencionado o
nome de Jubal, "pai de todos os que tocam harpa e flauta". Muito cedo
a Escritura faz referência a esta arte, a qual acompanha toda a vida do povo de
Deus. A primeira referência bíblica quanto à experiência musical é um relato de
um momento de louvor e ação de graças, dirigido por Moisés e Miriã, quando da
libertação do povo de Israel do Egito: " Então entoou Moisés, e os filhos de Israel, este cântico ao Senhor,...
A profetisa Miriã, irmã de Arão, tomou um tamborim, e todas as mulheres saíram
atrás dela com tamborins e com danças..."(Ex 15.1 e 20 ). Esta
apresentação foi tanto instrumental quanto vocal, envolvendo tanto homens como
mulheres e foi acompanhada por movimentos expressivos. Momentos como este se
encontram por todo o Antigo Testamento, especialmente nos Salmos.
A Segunda tradição musical do Antigo
Testamento, a música para o templo, era formal e profissional e foi iniciada
por Davi, que era pessoalmente musicista e compositor de hinos: "Disse Davi aos chefes dos levitas que
constituíssem a seus irmãos, cantores, para que, com instrumentos musicais, com
alaúdes, harpas e címbalos se fizessem ouvir, e levantassem a voz com
alegria."(! Cr 15.16)
No tempo em que Israel edificou o templo, para adoração ao
Deus Eterno, a organização de um grupo de musicistas já estava bem avançada. Em
1 Cr 15.22, é mencionado o nome de "Quenanias, chefe dos levitas músicos,
( o qual ) tinha o cargo de dirigir o canto porque era entendido nisso". Em
1 Cr 25 são descritas as diversas funções dos músicos do templo. Estes
"deviam anunciar as mensagens de Deus, acompanhados por música de harpas,
liras e pratos" ( I Cr 25.1 : BLH ). É impressionante o zelo com que
executavam as suas funções litúrgicas e também o número de integrantes deste
"departamento de música", ou seja, "os músicos treinados para
tocar instrumentos e cantar louvores ao Deus Eterno eram duzentos e oitenta e
oito ao todo"( 1 Cr 25.7 : BLH ). Estes, por sua vez, foram organizados em
grupos, para que todos os atos de culto fossem contemplados por momentos de
louvor e adoração através do canto. Como sacerdotes-músicos, esses artistas
dedicavam tempo integral ao seu serviço musical, escolhidos pelo seu talento (
1 Cr 15.22 ) e eram bem treinados durante os cinco anos de aprendizado musical,
antes de serem admitidos no coro regular.
Os cânticos e salmos do povo de Israel
eram acompanhados por diversos instrumentos musicais, tais como a lira, flauta,
harpa, trombetas e címbalos, sendo também associados com danças ( Sl 154.4). Há
uma tradição de que na antiga adoração hebraica, as palavras da Escritura nunca
eram faladas sem melodia; elas eram cantadas em uma sonora cantilena e
acompanhadas por instrumentos. Os judeus tinham muita variedade de instrumentos
musicais, divididos em três tipos básicos (e suas variações): 1- cordas
(kinnor); 2-sopros (shophar) e 3- percussão (toph ). Eram cuidadosos em não
incluir certos instrumentos nos cultos divinos realizados no Templo, devido ao
fato de não serem apropriados ou não induzirem à adoração. Estes eram usados em
ocasiões festivas ou seculares. De qualquer forma, a ênfase está no fato de
insistirem na variedade de instrumentos, possibilitando, assim, a que um grande
número de pessoas compartilhasse da parte musical do culto.
Sem dúvida, seus programas instrumentais eram
tão bem organizados quanto os programas vocais. Incluíam líderes, professores e
virtuosos. Aqueles que tocavam instrumentos eram considerados como inteiramente
consagrados e dedicados, assim como o eram os que cantavam ou serviam ao altar.
Nada foi poupado para tornar os cultos do Templo belos e significativos.
Cremos que na adoração
vetero-testamentária possivelmente a norma era o cântico antifonal, como nos
exemplos: S. Seja Deus gracioso para
conosco e nos abençoe/ C. E faça resplandecer sobre nós o seu rosto ( Sl 67.1);
S. Rendei graças ao Senhor, porque ele é bom./ C. Porque a sua misericórdia
dura para sempre.
Pergunta-se, por vezes, como deveria soar
a música dos Salmos e cânticos de Israel. Erik Werner, em seu livro
"Jewish Music" aponta para uma possibilidade:
O arquétipo do cantochão era semelhante às
melodias gregorianas antigas, o que significa que eles se baseavam em pequenos
padrões melódicos de amplitude bastante limitada, não excedendo geralmente uma
quarta ou uma quinta. [1]
O livro dos Salmos é considerado como o
"hinário do povo de Israel", os quais eram cantados em seqüências
regulares, seguindo os sacrifícios matutinos e vespertinos, em dias de semana
para tal especificados, e eram acompanhados por instrumentos que ocasionalmente
tocavam um interlúdio indicado pela palavra "Selá". Os Salmos
apresentam três tipos de expressão de adoração: Louvor ( Louvai ao Senhor ...);
Petição
( Dá ouvidos, ó Pastor de Israel...) e Ação de Graças ( Amo o Senhor, por que
ele ouve a minha voz e as minhas súplicas ). Havia também salmos especiais que se associavam a ocasiões
festivas: salmos reais para honrar o rei (21, 45, 101), salmos processionais (
24, 95, 100 ) e salmos penitenciais para períodos de arrependimento nacional (
130 ). Os Salmos do "Hallel Egípcio" ( 113-118) eram usados na
comemoração da Páscoa e outros períodos de penitência. Os salmos messiânicos
também tinham grande importância ( 22 ).
Quanto à sua forma de apresentação,
podemos identificar quatro tipos: 1- Salmo simples ( 46.1), cantado por uma
pessoa sozinha; 2- Salmo responsivo ( 67.1,2 ), em que um coro responde ao
solo; 3- Salmo antifônico, com várias linhas começando ou terminando com a
mesma frase (103.1,2,20-22), cantado por dois coros alternadamente; 4- Litania
( 80.2,3,6,7,18,19 ), que incluía um refrão repetido.
Além dos Salmos, vários cânticos do Antigo
Testamento eram usados regularmente na adoração dos hebreus e, com certeza,
também foram usados na adoração do Novo Testamento. Eis alguns: 1- Cântico de
vitória sobre Faraó, de Moisés (e Miriã), cf. Êx 15; 2- Oração de Moisés antes
da sua morte, cf. Dt 32; 3- Cântico de Ana, cf. 1 Sm 2; 4- Cântico de
Habacuque, cf. Hb 2; 5- Cântico dos Anjos em Is 6; 6- Cântico de Isaías (Is
26); Oração de Jonas no ventre do grande peixe ( Jn 2 ) etc.
Temos assim a descrição resumida de como o
Povo de Deus valorizava o canto e a música instrumental e o quanto investiam
para que esta parte da adoração fosse o mais perfeita possível.
I.1.2- Novo Testamento
O Novo Testamento não nos oferece uma
forma detalhada de adoração e uso da música no culto. O que se supõe é que os
mesmos costumes do Antigo Testamento continuavam sendo usados pelos judeus.
Contudo, mesmo não havendo maiores detalhes quanto à adoração e à música, há
algumas referências sobre cânticos, salmos, hinos e pessoas que fizeram uso dos
mesmos.
Não é mera coincidência que o nascimento
de Jesus tenha sido anunciado por uma explosão de júbilo com o cântico dos
anjos. Dessa época em diante a fé cristã tem sido anunciada com música alegre
sem correspondente em qualquer outra religião ou época. Os quatro cânticos
registrados por Lucas têm o estilo dos Salmos e são conhecidos tradicionalmente
por suas iniciais em latim: Magnificat, ou o Cântico de Maria (Lc 1.46-55), Benedictus, ou o Cântico de Zacarias ( Lc 1.67-79), Gloria in Excelsis Deo, o Cântico dos
anjos por ocasião do nascimento de Jesus (Lc 2.13 e 14), Nunc Dimitis, ou Cântico de Simeão (Lc 2.28-32). O Cântico de
Maria, o de Zacarias, o Cântico dos Anjos e o Cântico de Simeão têm sido usados
mais na adoração cristã histórica do que quaisquer outras passagens bíblicas,
sem contar os salmos. Em Mc 14.26 menciona-se o fato de que o próprio Cristo
tenha cantado com os seus discípulos na Quinta-feira de endoenças: "Tendo cantado um hino, saíram para o
Monte das Oliveiras". Sem dúvida o que eles cantavam era um Salmo do
Hallel Egípcio (113-118).
O apóstolo Paulo menciona em Cl 3.16,
"...louvando a Deus, com salmos,
hinos e cânticos espirituais, com gratidão em vossos corações", isto
é, três gêneros diferentes de música para a adoração, mencionando-os em duas
diferentes cartas àquelas novas igrejas (Ef 5.19). Havia nestes gêneros de
música, possivelmente, contrastes quanto à origem, assunto e forma de execução.
Egon Wellesz, grande estudioso da adoração bíblica, assim se pronuncia:
São Paulo certamente estava se referindo a
um costume bem familiar ao povo para quem escreveu. Portanto, podemos presumir
que, de fato, três tipos diferentes de cantochão eram usados entre eles, e
podemos formar uma idéia a respeito das suas características, a partir das
evidências oferecidas pela música judaica, e, mais tarde, pelo tipo de
cantochão cristão: 1- Salmos: o cântico
dos salmos judaicos e dos cantos e doxologias modelados segundo aqueles. 2- Hinos:
cânticos de louvor do tipo silábico, isto é, cada sílaba é cantada com uma ou
duas notas da melodia. 3- Cânticos espirituais: Aleluias e outros cânticos de
caráter jubiloso ou de êxtase, ricamente ornamentados. [2]
Salmos, sem dúvida, eram todos os salmos e
cânticos comuns na adoração judaica, no Tabernáculo, no templo e na sinagoga.
Hinos poderiam ser expressões novas em cântico, especialmente com ênfase
cristológica. Eis alguns exemplos, citados no Novo Testamento: 1 Tm 3.16
poderia ser um destes hinos:
"Aquele que foi manifestado na carne,
Foi justificado em espírito,
Contemplado por anjos,
Pregado entre os gentios,
Crido no mundo,
Pode não haver uma fórmula de adoração específica no Novo
Testamento, mas há grande incentivo e exemplos de que a adoração acontecia e
que faziam uso constante da música para expressar a sua fé e sua gratidão.
I.1.3- Igreja Primitiva
Também da Igreja Primitiva não temos
muitos registros das formas detalhadas de adoração. O que temos são algumas
referências de cartas ou relatos de historiadores. Em uma carta à Igreja de
Corinto (96 A.D.), Clemente de Roma incluiu uma oração longa e solene, que se
relaciona intimamente com as orações eucarísticas dos séculos posteriores; faz
também referência ao Sanctus ( Santo,
Santo, Santo é o Senhor dos Exércitos), que era característica comum da
adoração judaica. Mais ou menos ao mesmo tempo, o historiador pagão Plínio
(governador da Bitínia em 111-113), em uma carta a Trajano, imperador de Roma,
fazendo referência aos cristãos disse que "eles se reúnem em um dia fixo,
antes do romper do dia, e recitam responsivamente um hino a Cristo como
Deus..." [5]
No Segundo Século há uma ordem definida de
adoração citada na Apologia de
Justino Mártir, destinada ao Imperador Antonimus ( aprox. 150 A.D.) em que ele
descreve um culto de adoração, o qual compunha-se de Culto da Palavra ( Leituras dos Profetas, e memórias dos apóstolo -
Epístolas e Evangelhos, um sermão - instrução e admoestação, orações comuns) e
Culto da Ceia do Senhor ( ósculo da paz, ofertório, oração de ação de graças
seguida de um amém, e Comunhão ).[6] A música não é mencionada, mas não há
razões para se crer que o culto da época fosse desprovido do canto e da música,
tanto salmos, como hinos e cânticos espirituais.
Do Terceiro Século temos um relatório de
Hipólito de Roma ( + 236 A.D.), em um documento chamado de Tradição Apostólica, onde ele descreve uma ordem de culto, na qual,
além dos ítens relacionados no Século II, ele menciona o uso do Sursum Corda ( Elevai os Corações ) e da
Oração Eucarística já bem desenvolvida. É possível que, após o Sursum Corda fosse cantado o Sanctus.
No Quarto Século já é descrito algo bem
familiar em termos de liturgia e adoração: Leituras
Bíblicas, Salmos, Sermão ( Culto da Palavra ), e Orações dos fiéis, saudação e responso, ósculo da paz, ofertório,
oração eucarística, a qual compunha-se do Sursum Corda, Sanctus, Palavras da Instituição ( Anamnésis), Epíclesis
( Fazei em memória...) Oração Dominical, Doxologia e amém do Povo, Conclamação
à Comunhão, Gloria in Excelsis, Hosana e Benedictus, Comunhão ( com o Salmo 34
), ação de graças, Bênção e despedida. A Adoração Cristã a partir de então
podia ser mais desenvolvida, pois o cristianismo já não era mais religião
proibida pelo império, e estava livre para praticar abertamente os seus atos de
adoração.
Logo depois do reconhecimento do
cristianismo, nos primeiros anos, cada local desenvolveu a sua própria liturgia
e seus costumes dentro da esfera da sua influência cultural. Cada liturgia era
cantada com as suas próprias tradições e melodias, de forma
que
temos registros históricos do desenvolvimento de cantochão antioquiano,
cóptico, mozarábico, ambrosiano ( Milão), etc. Todas as igrejas primitivas
usavam a língua grega na adoração, até mesmo a igreja de Roma. O Latim começou
a ser usado no século IV, e mais tarde desbancou o grego das igrejas
ocidentais.
Depois de 400 A.D., o Império Romano foi
dividido em impérios oriental e ocidental. No oriente, Bizâncio exerceu
liderança em questões doutrinárias e litúrgicas. No ocidente, Roma exerceu a
liderança eclesiástica, e o rito Romano - Gregoriano - tornou-se posteriormente
a liturgia universal.
O Papa Gelasius I ( 492-496) e o Papa
Gregório, o Grande (590-604), fizeram importantes revisões na liturgia.
Gregório também fundou a Schola Cantorum,
que padronizou o cantochão ocidental. Também fizeram modificações o Imperador
Carlos Magno ( 742-814) e seu associado Alcuíno (735-804). Mesmo assim, havia
diferenças nos costumes de lugar para lugar durante toda a Idade Média, até que
o Concílio de Trento (1562) estabeleceu a uniformidade litúrgica com o Missale Romanum (1570).
Até por volta de 1500, as seguintes partes
da liturgia eram cantadas ( pelo coro ): Na
Liturgia da Palavra, cantava-se o Intróito, Kyrie Eleison (nove vezes),
Gloria in Excelsis, Gradual (salmodiar), Espaço ou Seqüência ( durante o qual
são feitas orações, preparação para a Saudação do Evangelho...) e o Credo (de
Nicéia ); na Liturgia do Cenáculo cantava-se
o Ofertório, o Sanctus, o Benedictus, o Agnus Dei e o Hino de Comunhão ( que
normalmente era um Salmo ). [7]
Durante a Idade Média a maior parte da arte era dirigida a
Deus e planejada para beneficiar a todas as pessoas, quer fossem jovens ou
velhos, servos ou nobres. Há evidências, durante este longo período da história
ocidental, de que a expressão artística existiu em dois níveis: profissional e
amador. No fim da Idade Média, canções folclóricas, hinos macarrônicos (que
combinam a língua vernácula e o latim) e hinos falsificados ( paródias de
formas seculares ) eram comuns no ambiente religioso; cantos corais germânicos
e salmos métricos franceses baseavam-se freqüentemente em poesia secular e
melodias folclóricas. Com o início da Renascença, o surgimento do humanismo
voltou a atenção do artista para o povo comum.
I.1.4- A Missa Romana
Com a padronização da liturgia
estabelecida por Gregório, o Grande, muitos costumes regionais tiveram que ser
desconsiderados. Se por um lado houve um enriquecimento nos padrões litúrgicos,
por outro houve um empobrecimento, pois o aspecto cultural foi completamente
desconsiderado. Perdeu-se quase que completamente a participação efetiva da
congregação, pois tornaram-se meros espectadores de uma língua da qual muito
pouco entendiam. Depois do Século IV, com o crescimento rápido do cristianismo,
a adoração tornou-se quase exclusivamente sacerdotal, os cânticos foram confiados
a um coro de sacerdotes, e a voz da congregação foi silenciada quase por mil
anos.
Durante o período da Idade Média, além de
excluir a congregação das melhores partes da adoração, muitos problemas
doutrinários começaram a surgir, especialmente porque a Liturgia da Palavra
tinha pouco significado, as leituras da Escritura eram muitas vezes omitidas,
sendo substituídas por leituras da história da vida dos santos. A Ceia do
Senhor deixou de ser um ato jubiloso, sendo usada como meio de amedrontar os fiéis,
o que limitava a sua participação em uma ou duas vezes ao ano. A Ceia passou a
ser administrada sob Una Specie, o
reconhecimento da Ceia como sacramento foi esquecida, dando lugar à idéia de
sacrifício, e a idéia de "transubstanciação" substituiu a doutrina da
"consubstanciação". Toda a ênfase da Missa estava sobre a morte de
Cristo, esquecendo-se da sua ressurreição.
I.1.5- A Reforma Luterana
Martinho Lutero, ao afixar as 95 teses na
porta da Igreja do Castelo de Wittenberg, marcou oficialmente a Reforma. Além
da sua luta contra os abusos das indulgências e contra os graves problemas
doutrinários de sua igreja, Lutero preocupou-se em devolver a Bíblia ao povo, e
mais, na sua própria língua. Este período foi marcado por grandes
transformações, não quanto à estrutura da liturgia, pois esta em grande parte
foi mantida, mas na essência, no conteúdo da mesma. As leituras bíblicas ( na
língua vernácula ) e o sermão voltaram a ter o seu destaque. Erros doutrinários
foram "varridos" para fora das orações, o sacramento voltou a ser
administrado sob as duas espécies... Mudança radical aconteceu na participação
da congregação, pois Lutero e seus colaboradores preocuparam-se desde cedo a
traduzir, adaptar e compor hinos para o culto, para que a congregação
efetivamente participasse da adoração.
Os cantos luteranos contribuíram em muito
para a difusão da Reforma, pois com eles o povo participava com entusiasmo do
"novo culto" e em público anunciava a mensagem da Reforma. A grande
reverberação do canto da Reforma pode ser avaliada no desabafo de um dos adversários
da Reforma: "Os hinos de Lutero", assim constatava, "levaram à
perdição mais almas do que todos os seus livros e sermões". [8]
Em 1523, na Ordem do Culto Divino na
Congregação, enfatizou que todo o culto deveria incluir leitura e proclamação
da Palavra e oração. Em 1524 começou compor hinos para o culto. Era necessário
adequá-los à notação musical e acentuação da língua alemã. Em 1524 e 1525, a
fim de produzir uma ordem litúrgica totalmente em alemão, Lutero recebeu a
ajuda de dois compositores da época, Johann Walter e Konrad Rupff, e, no Natal
do mesmo ano era oficialmente implantada. Cabe destacar que a epístola e o
evangelho também foram providos de uma notação musical. A Deutsche Messe foi muito bem recebida pelo povo alemão, pois todos agora
podiam participar efetivamente da adoração.
Lutero preocupou-se em trazer a ordem do
culto para a língua vernácula, para que as pessoas mais simples pudessem
entender e participar. Nas universidades, porém, continuou insistindo que o
Latim não deveria ser abandonado. A Formula
Missae tornou-se norma para catedrais e igrejas universitárias, e a Deutsche Messe para as igrejas das
pequenas cidades e áreas rurais. Na Formula
Missae, o coro cantava os tradicionais salmos, cânticos e orações em latim,
no cantochão gregoriano ou em acompanhamentos musicais polifônicos.
Na Missa Alemã houve maiores modificações,
pois muitos dos cânticos históricos em latim foram substituídos por versões
desses hinos em alemão, usando inclusive melodias folclóricas alemãs. O seguinte
esquema resume o que era feito na Deutsche
Messe: Hino ou Salmo em Alemão (Intróito), Kyrie (em grego,
cantado com a melodia de um salmo), Coleta (curta oração introdutória), Epístola
(cantada), Hino Alemão (hino alemão "Ao Santo Espírito com fervor",
substituindo o gradual, aleluia), Evangelho (cantado), O Credo (no
hino alemão "Nós cremos todos num só Deus), Sermão , Oração Dominical
(uma paráfrase do Pai Nosso), Exortação aos participantes da Ceia do
Senhor, Consagração dos Elementos( Palavras da Instituição), Celebração
(durante a qual podiam ser cantados as formas alemãs do Sanctus e o Agnus Dei,
e/ou outros hinos em alemão), Coleta (ação de graças) e a Bênção
Aarônica.
Com algumas alterações, a Missa de Lutero continua em uso na
igreja luterana até hoje.
II- HINÁRIO:
O
hinário do povo de Israel era o livro dos Salmos e uma seleção de cânticos.
Grandes hinos registrados na Escritura formaram a liturgia do culto. Lutero, a
partir de 1523, começou a compor, traduzir ou adaptar hinos para o povo de Deus.
Uma coisa fundamental, à qual Lutero muito bem observou, foi a de produzir
material acessível ao povo e que fizesse parte de seu contexto cultural.
A Igreja Luterana, desde que se estabeleceu no
Brasil, tem seguido uma cultura musical importada, a qual , na maior parte dos
casos, já ultrapassa alguns séculos. Não queremos, de forma alguma, dizer que
tais hinos devessem ser abolidos do uso congregacional, pois assim estaríamos
jogando fora uma riqueza teológica e poética. O que queremos enfatizar é que mais
hinos em estilo e ritmo brasileiro sejam usados em nossos cultos de adoração,
buscando assim uma maior identificação com a cultura brasileira.
Grandes passos nesse sentido já foram dados. São muitos os
talentos musicais espalhados por este Brasil. Muita beleza musical tem
aparecido, especialmente entre os jovens. Cabe aos pastores, aos teólogos da
Igreja, estar ao lado destes talentos, para que, além da riqueza artística,
seja preservada a pureza e riqueza doutrinária. Também nós podemos ter à nossa
disposição salmos, hinos e cânticos espirituais, incentivar mais o uso do
hinário e cancioneiro em nossos cultos, reuniões, estudos e, especialmente, na
vida devocional doméstica.
III- CORAL:
Desde os tempos do Antigo Testamento, o
coral tem exercido função indispensável no culto a Deus ( 1 Cr 6 ). Já
mencionamos a seriedade com que este trabalho era desenvolvido e o tempo
dispensado para o mesmo. O nascimento de Cristo foi aclamado com um belíssimo
coro de anjos; a própria descrição do céu também não esquece do coro ( Ap 5 12
).
É verdade que houve períodos na história
em que o coral ocupou o lugar que cabia à congregação ( corais de monges ).
Mas, apesar destes desvios de suas funções, não há dúvidas de que o mesmo deve
ocupar o seu espaço no contexto litúrgico.
III.1-
Unidade
A unidade do culto é salutar para um melhor aproveitamento e
retenção da mensagem por parte da congregação. Por isso o coral sempre deveria
estar inserido dentro desta unidade, os textos de suas músicas deveriam estar
relacionados com a mensagem central. Seria interessante para os corais
providenciarem para o seu repertório material litúrgicos, os quais poderiam ser
utilizados, eventualmente, em lugar de uma ou outra parte da liturgia. Por
exemplo, existem variadas composições que usam o texto do Kyrie, outros
trabalham o Gloria Patri, Pai Nosso, etc. Por que não aproveitar o momento e
enriquecer o brilho da liturgia ?!
III.2-
Funções:
A função principal do coral não é a de
fazer apresentações ou shows, mas exerce importante papel na condução dos hinos
cantados pela congregação, ter participações na liturgia, cantando partes da
mesma com outros arranjos ou enfatizando o tema do dia. O coral pode muito bem
ser aproveitado para o ensino de novos hinos à congregação. Heinz Werner Zimmermann
comenta que "o coral é o suporte e enriquecimento do cantar dos hinos pela
congregação e da sua liturgia.
Traz riqueza e variedade ao culto ao
cantar partes da liturgia e ao cantar hinos apropriados para cada Domingo do
ano eclesiástico."[9]
Oportunidades de participações em
festivais de corais não devem ser desperdiçadas. O coral da congregação, mesmo
participando de programações fora do âmbito da igreja, sempre terá uma mensagem
a transmitir. Participar de festivais missionários, cantar em casamentos,
funerais, hospitais (quando possível), são algumas das maneiras do coral ser
útil para a congregação, cumprindo com o seu maior papel, o de proclamar o
evangelho da salvação e embelezar os momentos de adoração.
James F. White, em seu livro
"Introdução ao Culto Cristão", assim define as funções do coral:
Se a principal função do Coral é concebida
como um compartilhar do ministério da Palavra - Canto para a congregação
- isto pode requerer uma localização de frente para a congregação. Se um coral
é considerado necessário para embelezar - cantar pela congregação - uma
localização menos conspícua também serviria bem. Cada vez mais as pessoas se
dão conta de que as principais funções do coral consiste em liderar o canto
congregacional - canto com a congregação . De qualquer maneira, o coral
deveria ficar tão próximo da congregação quanto possível, talvez até misturado
com ela. [10]
III.3- Responsabilidade com a Teologia Luterana
O coral de uma congregação luterana tem o compromisso
de difundir a correta pregação da Palavra de Deus. Por isso, não basta o hino
ser bonito e agradável ao ouvido para ser imediatamente colocado no repertório.
O cuidado com a pureza doutrinária é fundamental, pois através do cantar o
Evangelho deve ser anunciado. Cuidado com os famosos hinos de apelo à fé, ou
que meramente descrevem experiências particulares, ou ainda, que confundem Lei
e Evangelho. O regente, caso não seja o próprio pastor, sempre deveria buscar
orientação de seu pastor em assuntos teológicos e também trabalhar dentro de um
planejamento, baseado no ano eclesiástico.
III.4- Qualidade
O melhor que nós tivermos a oferecer,
ainda é pouco. Para Deus queremos dedicar o máximo dos dons, as melhores vozes
e um bom investimento também nesta área. Os corais poderiam optar por um
repertório leve, vibrante e, sempre que possível, trabalhar material atual,
dentro da nossa realidade brasileira.
IV- INSTRUMENTOS:
Já
mencionamos que na Escritura não aparece qualquer restrição ao uso de instrumentos
variados para executar a música na igreja, antes pelo contrário, há somente
incentivos e demonstração de que esta área era levada a sério. Todos as
categorias de instrumentos musicais, percussão, cordas e sopros faziam parte da
adoração.
A tradição luterana tem sido a de que o
órgão é o instrumento ideal para a igreja. Outros instrumentos, por longos anos
eram simplesmente considerados inapropriados para o uso na igreja. Onde está
escrito isto ? É verdade que o órgão é um bom instrumento, mas, pergunta-se, em
campos avançados de missão seria o órgão a melhor escolha ?
Quando pensamos na realidade brasileira,
não queremos descartar o uso do órgão ou teclado, mas, num país onde o ritmo é
uma das coisas mais marcantes, não seria interessante usar mais instrumentos de
percussão, cordas ( violão, cavaquinho, bandolim ) e outros variados
instrumentos ?
Desafiamos as congregações a pensarem na
possibilidade de formar conjuntos instrumentais, pequenas orquestras para
acompanhar a música na adoração.
V- MUTIRÃO DA MÚSICA NA
IELB:
O "Mutirão pela Música na IELB"
tem sido uma tentativa ( bem sucedida ) de sensibilizar as congregações para a
música sacra. O objetivo é alcançar todas as congregações da IELB, para que
todos possam desenvolver os seus cultos de maneira alegre e com uma beleza
estética muito maior, pois queremos oferecer o melhor dos nossos dons e
investimentos para o louvor e adoração a Deus. A idéia do Mutirão é
regionalizar cursos intensivos de aprendizagem musical: órgão (teclado),
violão, flauta, teoria musical, canto e noções de regência coral. O lamentável
é que poucas congregações estão realmente investindo em seus talentos, pois
ainda grande parte dos participantes dos cursos têm vindo com recursos
próprios.
Não seria momento de desafiarmos as nossas congregações a
"colocar a música logo abaixo da teologia", como Lutero enfatizou?
Não deveríamos com maior ênfase adorar a Deus com tudo o que somos e temos? e
este "temos" não deveria incluir o dom da Música, que sem dúvida está
presente na congregação.
Quanto retorno para o reino de Deus não se
poderia obter se maior investimento, tempo e recursos humanos fossem dependidos
para a formação de um "departamento de música na igreja"! Sem dúvida,
nossos cultos em grande parte seriam menos monótonos e muito mais atrativos,
não somente para os que já pertencem à igreja, mas também aos que ainda não
fazem parte dela. Sabemos que não podemos nem mesmo ajudar na obra do Espírito
Santo, mas, se não dermos uma maior importância à forma exterior de nosso
culto, poderemos estar atrapalhando a obra do Espírito Santo, por causa de
nosso descaso, falta de criatividade e falta de investimento.
Fica o nosso incentivo às congregações a
que descubram em seu meio jovens, adultos ou crianças que expressam vontade e
inclinação à aprendizagem musical, que separem um pouco do seu orçamento para
investir em um futuro musicista para a congregação, que se preocupe em ter
alguém com dedicação de tempo parcial ( talvez sendo pago pelo seu serviço) ou,
quando possível, ter alguém de tempo integral. Cabe lembrar que, se esperarmos
sobrar verba, então este trabalho nunca será realizado.
VI- CONCLUSÃO:
Temos da parte da Escritura tanto a
aprovação, como recomendação do uso variado de instrumentos e estilos musicais
na adoração. Numerosas são as referências, tanto do Antigo Testamento, como do
Novo testamento, revelam que o culto com muita música sempre foi do agrado de
Deus. O Senhor Jesus, durante todo o seu ministério, jamais repudiou os cultos
no Templo e sua bela música, antes adotou o hábito regular de freqüentar e
participar de tais cultos.[11]
A eficiência do departamento de música de uma congregação
sempre trará alegrias e, com o som dos instrumentos e a voz de canto, estará
cumprindo com a missão de fazer discípulos, de pregar o evangelho, de anunciar as
boas novas da salvação. Queira Deus abençoar toda a iniciativa das
congregações, pastores ou cristãos individualmente, na busca de aperfeiçoamento
nesta arte que é um Dom de Deus.
VII-
BIBLIOGRAFIA
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LUTERO, Martinho. Pelo Evangelho de Cristo. Porto
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Christian Worship. London, Oxford U. Press, 1936.
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Leopoldo, Sinodal, 1997.
ZIMMERMANN, Heinz Werner. The
Music of the Choir. In: Church Music. St. Louis, CPH, 1977, Vol. 77.1.
Rev. Prof. Paulo
Gerhard Pietzsch
São Leopoldo, RS
[1] WERNER, Eric. Jewish
Music. p. 623.
[2] WELLESZ, Egon. Early
Christian Music. p. 2.
[3] MARTIN, Ralph. p. 57
[4] Ibid. p. 58-59.
[5] GARRET, T.S. Christian
Worship. p. 47.
[6] MAXWELL, William. p. 11.
[7] HUSTAD, Donald. p. 109.
[8] LUTERO, Martinho. p. 215.
[9] ZIMMERMANN. The
Music of the Choir, p.5.
[10] WHITE, James F.
p. 87.
[11] Dicionário de
Instrumentos Musicais.
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