O Local do Culto
Introdução
A igreja está comprometida com o
testemunho da sua fé. Esse compromisso não está limitado à pregação formal da
Palavra e administração dos Sacramentos, mas inclui a Literatura, a Música, a
Pintura, a Escultura e a Arquitetura. Pela arte, o testemunho cristão percorre
gerações (Lc 19.4).
Toda arte, em sua origem, era religiosa e a religião frequentemente
encontrou na arte a forma de comunicar à consciência humana, verdades que a
inteligência só pode descobrir com dificuldade (Apud Sovik, 1973:61).
O testemunho simplório da fé pela Arte,
particularmente da Arquitetura, é triste e afeta negativamente a mente e a
sensibilidade cristã.
A arquitetura não pode ser exótica ao
contexto dinâmico da sociedade. Deve evitar a dicotomia do sacro e profano e
não se sujeitar à ideia de que a vida humana deve se dividir em duas esferas
opostas entre si.
A construção de um novo local de culto é uma grande
oportunidade para a congregação se reunir em torno de estudos bíblicos pertinentes
que contribuirão para a renovação da fé e vida cristã. A questão em discussão
deve ser o nível de interesse em testemunhar Cristo ao mundo e qual a relação
disso na edificação de um local de celebração cristã.
1. Uso/funções
1.1. O culto
Todo espaço edificado é, principalmente,
determinado por suas funções. O templo, normalmente, está condicionado ao
culto, e, este, por sua vez, à forma litúrgica. Dependendo do nível de flexibilidade
e variação litúrgica, espaços diferenciados poderão ser exigidos.
A disposição espacial dos templos
medievais resultou de uma liturgia concentrada no sacerdote e, portanto, pobre
em celebração corporativa. Essa liturgia traduz especialmente a realidade do
povo quanto mero espectador passivo (Cl 3.16).
Lutero revisou a tradição litúrgica
herdade da Igreja Romana. Criou diferentes ordens de culto tendo em vista o
leigo simples. Uma delas considerou verdadeiramente
evangélica e para cristãos reunidos em
alguma casa para orar, ler, batizar, receber o sacramento e fazer outras obras
cristãs (1984:221).
Segundo Lutero o fruto de muitas leis é também que surgem muitas seitas e divisões das
comunidades (1989:225). Para ele a uniformidade litúrgica não pode ser lei,
mas restringir-se, dentro da conveniência, a uma mesma região.
O efeito dessas mudanças no espaço, logo
começaram a se impor no culto. O próprio Lutero já imaginava algumas
modificações:
Na missa correta, com verdadeiros cristãos, o altar não deveria
permanecer como está, e o sacerdote sempre deveria estar voltado para o povo
como Cristo, sem dúvida, o fez na ceia (l984:225).
1.1 Outros usos
Quando Jesus disse: destruí este santuário e em três dias eu o
reconstruirei (Jo 2.19), ele critica um tradicionalismo falido e anuncia um
novo tempo e templo. Jesus apresenta o próprio corpo como o novo e único templo
verdadeiro e não erigido por mãos humanas. Unicamente ele é o sinal vivo,
visível, material e espiritual da presença salvadora de Deus no mundo. Quando
Jesus rendeu o espírito e o véu do santuário se rasgou de alto a baixo, o
templo antigo foi mortalmente atingido no seu significado tradicional. O espaço
de Deus (santo dos santos) se amplia abrindo-se para o povo (Mt 1.23; Jo
4.21-24). Nesse contexto o apóstolo Paulo faz uma releitura do templo
identificando-o com o corpo de Cristo, a própria Igreja (1Co 3.16-17; Rm 12.1;
2Co 2.15; 2Co 6.16).
O templo, a casa de Deus, o
espaço religioso e sacro é o povo de Deus. Os conceitos de templo do Antigo Testamento,
repetidos pela Igreja Romana, compreendem-no como Casa de Deus (Domus Dei). Porém a partir da releitura feita por
Jesus e apóstolos, a Casa de Deus é o
povo e o templo de pedra é simplesmente a Casa
do povo de Deus (Domus Ecclesiae).
Partindo desse pressuposto o local de
cultos, dependendo do interesse da congregação, pode ter as suas funções
ampliadas e, como consequência, espaços de culto mais flexíveis.
2. O
Templo
2.1. Estilo
Qual é o estilo
arquitetônico ideal para as igrejas luteranas? Existe tal estilo? Seria
possível identificar um estilo luterano ou católico, presbiteriano ou
pentecostal? Alguns imaginam que a IELB deveria padronizar um estilo básico
quase à semelhança do que fazem os mórmons.
Se a Igreja padronizar
liturgias e limitar por estatuto as funções do templo, ignorando necessidades e
influências dinâmicas das diversas culturas locais, a sugestão de um estilo
arquitetônico padrão será uma consequência natural.
A forma da liturgia e o
estilo dos templos são adiáforos —
nada ordenado nem proibido — (Livro de Concórdia, 1980:177). Mudanças,
transformações e variações são características inerentes a tudo o que a Palavra
de Deus não considera imutável. Apesar das regras reveladas sobre o altar de
sacrifícios, tabernáculo e templo, nenhum detalhe é absolutamente estranho ao
amplo contexto cultural já absorvido por Israel.
Tanto a liturgia como a
Arquitetura devem resultar do equilíbrio amplo, livre e flexível entre tradição
e contexto social. A tradição que ignora a dinâmica cultural se transforma em
tradicionalismo estéril. Por outro lado, o grupo social que despreza a tradição
tende para a pobreza do superficialismo cultural.
2.2. Autenticidade
A igreja lida com a verdade e condena a
hipocrisia, o disfarce, a encenação e a mentira. A sociedade consumista
supervaloriza a imagem, a aparência, o mero aroma, corantes e sabores
artificiais. A boa impressão aparente, muitas vezes, apenas disfarça a má
qualidade do produto.
A mentira também se verifica
em muita arquitetura de maquiagem. Materiais sintéticos grosseiramente imitam
os naturais. Laminados disfarçam a estrutura original formando arcos para dar
um ar eclesial ao ambiente religioso. Os materiais sempre devem
seguir a sua lógica estrutural e, sem disfarces, manter suas características
originais. Os arcos e formas ogivais das janelas góticas eram necessidades
estruturais que hoje, tecnicamente, não se justificam. Nem a Pregação, a
Liturgia ou a Arquitetura podem ignorar as mudanças ocorridas no mundo. O uso,
sem disfarces, das novas tecnologias e estilos avançados pode demonstrar a
disposição da Igreja em dialogar inserida no contexto da modernidade.
2.3. Flexibilidade
Compreender que o verdadeiro
templo de Deus, ou Domus Dei, é o
povo crente e que o templo de pedras é a casa do povo de Deus, ou Domus Ecclesiae, abre possibilidades
para que o espaço edificado sirva a comunidade de forma mais ampla e
diversificada.
Dar outros usos úteis ao
templo, além do culto formal, pode contribuir didaticamente para diminuir a
tensão que tem dividido a vida cristã em duas esferas, uma religiosa e outra
profana.
Um espaço flexível deve
permitir o deslocamento do altar, púlpito e pia batismal de acordo com ênfases
litúrgicas diferentes (encenações de Natal, ceia pascal, cultos centrados na
Palavra, na Santa Ceia, no Batismo, Confirmação, Matinas, Vésperas, Ordenação,
casamentos, sepultamentos e outros).
Um altar de madeira e leve e cadeiras em
lugar dos pesados bancos, sobre um piso geometricamente bem trabalhado,
facilitam rápidos arranjos espaciais diferentes e organizados.
2.4. Simplicidade
Jesus foi simples e pobre. Certa vez disse
que as raposas tinham suas covas e as aves ninhos, mas ele não tinha onde
reclinar a sua cabeça (Lc 9.58). As preocupações cristãs como o local de cultos
não deve excluir o ideal do equilíbrio das relações econômicas da sociedade
(2Co 8.13-4).
O templo precisa ser uma
testemunha contra o luxo e conforto excessivos num mundo de miséria e fome. Na
arquitetura inteligente a criatividade, a beleza, e mesmo conforto, não são
sinônimos de luxo e grandeza. Muitos argumentam que uma arquitetura luxuosa é
mais atraente e, portanto, justificável para a Igreja. A sociedade consumista
investe o máximo na imagem para atrair a clientela. Todos percebem que não
existe nenhum objetivo de amor nisso. A Igreja não deve seduzir pelo interessante,
mas pela verdade. C. M. Joad escreve em seu livro Decadência que uma sociedade decadente se caracteriza pela
valorização do interessante em
detrimento do verdadeiro (Apud Sovik,
1973:48).
2.5. Conforto/ Acomodação
Observar as características
climáticas de cada lugar é fundamental num bom projeto. A incidência e
intensidade dos raios solares, ventos predominantes e umidade são determinantes
que não podem ser ignoradas.
A absorção de calor
excessivo pode ser evitada usando-se o material adequado. Cores claras refletem
o sol, as escuras absorvem mais o calor. As aberturas devem favorecer boa
ventilação mas evitar incidência incômoda dos raios solares.
Alguns arquitetos não se dão
conta que uma igreja luterana é um espaço funcionalmente diferente de teatros,
auditórios ou salas de concertos. Não tomam o suficiente cuidado no uso dos
materiais que excessivamente elevam o índice de absorção dos sons. Alguns
materiais absorvem mais determinadas frequências. A falta de ressonância prejudica
o canto da congregação e do coral. Cada cantor escuta apenas a sua própria voz
e o órgão precisa mais volume com menor qualidade.
Materiais lisos e pesados,
ao contrário dos porosos, absorvem menos o som. A forração de bancos e cadeiras
favorece um padrão acústico que não se altera com o recinto lotado ou vazio. O
índice de absorção do som em um assento forrado é semelhante ao assento
ocupado.
Somente num ambiente alegre
e ressonante será possível cantar: Ressoem
vossos cantos vibrantes de fervor; enchendo os átrios santos da casa do Senhor
(HL 219).
3. Geografia
(O sítio: terreno e entorno)
3.1. Localização (endereço);
3.2. Área
do terreno
3.3. Características físicas:
3.3.1. Topografia (forma;
aclive/declive; acidentado; plano; a vegetação; úmido/seco);
3.3.2. Solo (areia;
rocha; lençol freático; vertentes; aterros);
3.3.3. Clima ( orientação
solar; ventos; chuvas; inundações; erosão; deslizamentos);
3.3.4. Quadra
(esquina; meio da quadra)
3.4. Características legais;
3.4.1. Documentação e tributos (escritura de posse ou de propriedade);
3.4.2. Código
de Obras da prefeitura e Lei de Zoneamento (área
estritamente comercial ou residencial - não permite igreja; ou industrial;
mista; preservação; de mananciais; índice de aproveitamento - exemplo: índice 2
significa que a área construída poderá ter o dobro da área do terreno; taxa de
ocupação - da área superficial do terreno quanto pode ser ocupado pela
edificação e qual a área livre exigida; recuos);
3.5. Infra-estrutura e Serviços
3.5.1. Calçamento;
3.5.2. Energia elétrica;
3.5.3. Água, esgoto, drenagem;
3.5.4. Transporte coletivo;
3.5.5. Segurança;
3.5.6. Projetos futuros de rodovias e mudanças no
fluxo de trânsito;
3.6. Vizinhança
3.6.1. Prédios comerciais, residenciais, casas;
3.6.2. Possibilidades de expansão missionária no
local;
3.6.3. Vegetação predominante;
3.6.4. Praças e ponto de ônibus;
3.6.5. Nível de ruído;
3.6.6. Acessos, fluxo do trânsito, congestionamentos,
estacionamento;
3.7. Expansão: o terreno é suficiente para permitir ampliações,
área de recreação, salas de escola bíblica, casa pastoral e/ou zelador.
4.
A Construção
4.1. Membros (hoje, dez anos atrás e dez anos no
futuro);
4.1.1. Batizados;
4.1.2. Comungantes;
4.1.3. Famílias;
4.1.4. Agrupamentos etários;
4.2. O Santuário ou Presbitério:
4.2.1. Será separado ou integrado à nave?
4.2.2. O
altar; paramentos; cruz; luz eucarística; agenda litúrgica;
4.2.3. Grade (cancela) do presbitério: sim/não;
4.2.4. Credência - mesa para vasos e livro sagrado:
sim/não;
4.2.5. Candelabro de solo: sim/não;
4.2.6. Pedestais para flores;
4.2.7. Cadeiras para oficiantes;
4.2.8. Bandeiras;
4.2.9. Posição focal;
4.2.10. Posição geográfica - tradicionalmente o altar
fica para o leste: possível?
4.2.11. Boa
circulação para receber a Ceia;
4.2.12. Os
recursos visuais e sonoros;
4.3. A Nave
4.3.1. Pia
Batismal;
4.3.2. Púlpito;
4.3.3. Púlpito de Leituras;
4.3.4. Assentos (capacidade);
4.3.5. Acessos/ saídas (emergência);
4.3.6. Assentos extras;
4.3.7. Acústica, iluminação e ventilação;
4.3.8. Focos
visuais;
4.3.9. Prevenção de incêndio;
4.4. Coral, órgão e outros instrumentos musicais:
4.4.1. Espaço para o Coral e Órgão;
4.4.2. Sistema de som;
4.4.3. Sacristia do Coral;
4.5. Hall (Nártece);
4.5.1. Acesso facilitado (rampa e escada);
4.5.2. Espaço suficiente;
4.5.3. Isolamento acústico;
4.5.4. Registro de visitantes;
4.5.5. Distribuição de programas e boletins;
4.5.6. Ligação com área de convívio;
4. 6. Sacristia:
4.6.1. Mesa;
4.6.2. Vestes talares;
4.6.3. Lavabo com espelho;
4.6.4. Ligação com o escritório, presbitério e nave;
4.7. Sacristia de serviço:
4.7.1. Paramentos e utensílios, hóstias, vinho,
flores;
4.7.2. Pia
para lavar utensílios do culto (água quente e fria);
4.7.3. Mesa para contar as ofertas e fazer registros
estatísticos;
4.8. Exterior:
4.8.1. Paisagismo;
4.8.2. Passeios
sem degraus;
4.8.3. Entrada coberta;
4.8.4. Cuidado com o trânsito de veículos no terreno;
4.8.5. Sinalização
e iluminação;
4.9. Administração e serviços;
4.9.1. Recepção e secretaria;
4.9.2. Livraria
e biblioteca;
4.9.3. Estar,
salão social e cozinha;
4.9.4. Salas de estudo e Escola Dominical.
5.
Identificação
Uma edificação formalmente agradável,
criativa, inédita, bela e significativa pode se transformar num referencial
para a rua e bairro. Apenas uma placa de identificação não é suficiente para
marcar a memória das pessoas. Localização estratégica, projeto arquitetônico e
paisagístico criativo com uma placa de identificação integrada, fazem parte de
uma identificação eficiente.
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