quinta-feira, 7 de fevereiro de 2019

O Culto Luterano - manual litúrgico 7

Este manual encontra-se completo aquiMas está disponibilizado também nas postagens, com o marcador "manual da comissão de culto". Há outras duas publicações no blog (mais antigas) devem aparecer na busca também, mas estas aqui estão atualizadas.



O Local do Culto

Introdução


A igreja está comprometida com o testemunho da sua fé. Esse compromisso não está limitado à pregação formal da Palavra e administração dos Sacramentos, mas inclui a Literatura, a Música, a Pintura, a Escultura e a Arquitetura. Pela arte, o testemunho cristão percorre gerações (Lc 19.4).
Toda arte, em sua origem, era religiosa e a religião frequentemente encontrou na arte a forma de comunicar à consciência humana, verdades que a inteligência só pode descobrir com dificuldade (Apud Sovik, 1973:61).
O testemunho simplório da fé pela Arte, particularmente da Arquitetura, é triste e afeta negativamente a mente e a sensibilidade cristã.
A arquitetura não pode ser exótica ao contexto dinâmico da sociedade. Deve evitar a dicotomia do sacro e profano e não se sujeitar à ideia de que a vida humana deve se dividir em duas esferas opostas entre si.
A construção de um novo local de culto é uma grande oportunidade para a congregação se reunir em torno de estudos bíblicos pertinentes que contribuirão para a renovação da fé e vida cristã. A questão em discussão deve ser o nível de interesse em testemunhar Cristo ao mundo e qual a relação disso na edificação de um local de celebração cristã.


1.   Uso/funções

1.1. O culto

Todo espaço edificado é, principalmente, determinado por suas funções. O templo, normalmente, está condicionado ao culto, e, este, por sua vez, à forma litúrgica. Dependendo do nível de flexibilidade e variação litúrgica, espaços diferenciados poderão ser exigidos.
A disposição espacial dos templos medievais resultou de uma liturgia concentrada no sacerdote e, portanto, pobre em celebração corporativa. Essa liturgia traduz especialmente a realidade do povo quanto mero espectador passivo (Cl 3.16).
Lutero revisou a tradição litúrgica herdade da Igreja Romana. Criou diferentes ordens de culto tendo em vista o leigo simples. Uma delas considerou verdadeiramente evangélica e para cristãos reunidos em alguma casa para orar, ler, batizar, receber o sacramento e fazer outras obras cristãs (1984:221).
Segundo Lutero o fruto de muitas leis é também que surgem muitas seitas e divisões das comunidades (1989:225). Para ele a uniformidade litúrgica não pode ser lei, mas restringir-se, dentro da conveniência, a uma mesma região.
O efeito dessas mudanças no espaço, logo começaram a se impor no culto. O próprio Lutero já imaginava algumas modificações:
Na missa correta, com verdadeiros cristãos, o altar não deveria permanecer como está, e o sacerdote sempre deveria estar voltado para o povo como Cristo, sem dúvida, o fez na ceia (l984:225).


1.1 Outros usos

Quando Jesus disse: destruí este santuário e em três dias eu o reconstruirei (Jo 2.19), ele critica um tradicionalismo falido e anuncia um novo tempo e templo. Jesus apresenta o próprio corpo como o novo e único templo verdadeiro e não erigido por mãos humanas. Unicamente ele é o sinal vivo, visível, material e espiritual da presença salvadora de Deus no mundo. Quando Jesus rendeu o espírito e o véu do santuário se rasgou de alto a baixo, o templo antigo foi mortalmente atingido no seu significado tradicional. O espaço de Deus (santo dos santos) se amplia abrindo-se para o povo (Mt 1.23; Jo 4.21-24). Nesse contexto o apóstolo Paulo faz uma releitura do templo identificando-o com o corpo de Cristo, a própria Igreja (1Co 3.16-17; Rm 12.1; 2Co 2.15; 2Co 6.16).
O templo, a casa de Deus, o espaço religioso e sacro é o povo de Deus. Os conceitos de templo do Antigo Testamento, repetidos pela Igreja Romana, compreendem-no como Casa de Deus (Domus Dei). Porém a partir da releitura feita por Jesus e apóstolos, a Casa de Deus é o povo e o templo de pedra é simplesmente a Casa do povo de Deus (Domus Ecclesiae).
Partindo desse pressuposto o local de cultos, dependendo do interesse da congregação, pode ter as suas funções ampliadas e, como consequência, espaços de culto mais flexíveis.


2.   O Templo

2.1. Estilo
Qual é o estilo arquitetônico ideal para as igrejas luteranas? Existe tal estilo? Seria possível identificar um estilo luterano ou católico, presbiteriano ou pentecostal? Alguns imaginam que a IELB deveria padronizar um estilo básico quase à semelhança do que fazem os mórmons.
Se a Igreja padronizar liturgias e limitar por estatuto as funções do templo, ignorando necessidades e influências dinâmicas das diversas culturas locais, a sugestão de um estilo arquitetônico padrão será uma consequência natural.
A forma da liturgia e o estilo dos templos são adiáforos — nada ordenado nem proibido — (Livro de Concórdia, 1980:177). Mudanças, transformações e variações são características inerentes a tudo o que a Palavra de Deus não considera imutável. Apesar das regras reveladas sobre o altar de sacrifícios, tabernáculo e templo, nenhum detalhe é absolutamente estranho ao amplo contexto cultural já absorvido por Israel.
Tanto a liturgia como a Arquitetura devem resultar do equilíbrio amplo, livre e flexível entre tradição e contexto social. A tradição que ignora a dinâmica cultural se transforma em tradicionalismo estéril. Por outro lado, o grupo social que despreza a tradição tende para a pobreza do superficialismo cultural.


2.2. Autenticidade

A igreja lida com a verdade e condena a hipocrisia, o disfarce, a encenação e a mentira. A sociedade consumista supervaloriza a imagem, a aparência, o mero aroma, corantes e sabores artificiais. A boa impressão aparente, muitas vezes, apenas disfarça a má qualidade do produto.
A mentira também se verifica em muita arquitetura de maquiagem. Materiais sintéticos grosseiramente imitam os naturais. Laminados disfarçam a estrutura original formando arcos para dar um ar eclesial ao ambiente religioso. Os materiais sempre devem seguir a sua lógica estrutural e, sem disfarces, manter suas características originais. Os arcos e formas ogivais das janelas góticas eram necessidades estruturais que hoje, tecnicamente, não se justificam. Nem a Pregação, a Liturgia ou a Arquitetura podem ignorar as mudanças ocorridas no mundo. O uso, sem disfarces, das novas tecnologias e estilos avançados pode demonstrar a disposição da Igreja em dialogar inserida no contexto da modernidade.


2.3. Flexibilidade

Compreender que o verdadeiro templo de Deus, ou Domus Dei, é o povo crente e que o templo de pedras é a casa do povo de Deus, ou Domus Ecclesiae, abre possibilidades para que o espaço edificado sirva a comunidade de forma mais ampla e diversificada.
Dar outros usos úteis ao templo, além do culto formal, pode contribuir didaticamente para diminuir a tensão que tem dividido a vida cristã em duas esferas, uma religiosa e outra profana.
Um espaço flexível deve permitir o deslocamento do altar, púlpito e pia batismal de acordo com ênfases litúrgicas diferentes (encenações de Natal, ceia pascal, cultos centrados na Palavra, na Santa Ceia, no Batismo, Confirmação, Matinas, Vésperas, Ordenação, casamentos, sepultamentos e outros).
Um altar de madeira e leve e cadeiras em lugar dos pesados bancos, sobre um piso geometricamente bem trabalhado, facilitam rápidos arranjos espaciais diferentes e organizados.


2.4. Simplicidade

Jesus foi simples e pobre. Certa vez disse que as raposas tinham suas covas e as aves ninhos, mas ele não tinha onde reclinar a sua cabeça (Lc 9.58). As preocupações cristãs como o local de cultos não deve excluir o ideal do equilíbrio das relações econômicas da sociedade (2Co 8.13-4).
O templo precisa ser uma testemunha contra o luxo e conforto excessivos num mundo de miséria e fome. Na arquitetura inteligente a criatividade, a beleza, e mesmo conforto, não são sinônimos de luxo e grandeza. Muitos argumentam que uma arquitetura luxuosa é mais atraente e, portanto, justificável para a Igreja. A sociedade consumista investe o máximo na imagem para atrair a clientela. Todos percebem que não existe nenhum objetivo de amor nisso. A Igreja não deve seduzir pelo interessante, mas pela verdade. C. M. Joad escreve em seu livro Decadência que uma sociedade decadente se caracteriza pela valorização do interessante em detrimento do verdadeiro (Apud Sovik, 1973:48).

2.5. Conforto/ Acomodação

Observar as características climáticas de cada lugar é fundamental num bom projeto. A incidência e intensidade dos raios solares, ventos predominantes e umidade são determinantes que não podem ser ignoradas.
A absorção de calor excessivo pode ser evitada usando-se o material adequado. Cores claras refletem o sol, as escuras absorvem mais o calor. As aberturas devem favorecer boa ventilação mas evitar incidência incômoda dos raios solares.
Alguns arquitetos não se dão conta que uma igreja luterana é um espaço funcionalmente diferente de teatros, auditórios ou salas de concertos. Não tomam o suficiente cuidado no uso dos materiais que excessivamente elevam o índice de absorção dos sons. Alguns materiais absorvem mais determinadas frequências. A falta de ressonância prejudica o canto da congregação e do coral. Cada cantor escuta apenas a sua própria voz e o órgão precisa mais volume com menor qualidade.
Materiais lisos e pesados, ao contrário dos porosos, absorvem menos o som. A forração de bancos e cadeiras favorece um padrão acústico que não se altera com o recinto lotado ou vazio. O índice de absorção do som em um assento forrado é semelhante ao assento ocupado.
Somente num ambiente alegre e ressonante será possível cantar: Ressoem vossos cantos vibrantes de fervor; enchendo os átrios santos da casa do Senhor (HL 219).


3.   Geografia (O sítio: terreno e entorno)

3.1.  Localização (endereço);
3.2.  Área do terreno
3.3.  Características físicas:
3.3.1.  Topografia (forma; aclive/declive; acidentado; plano; a vegetação; úmido/seco);
3.3.2.  Solo (areia; rocha; lençol freático; vertentes; aterros);
3.3.3.  Clima ( orientação solar; ventos; chuvas; inundações; erosão; deslizamentos);
3.3.4.  Quadra (esquina; meio da quadra)
3.4. Características legais;
3.4.1. Documentação e tributos (escritura de posse ou de propriedade);
3.4.2.  Código de Obras da prefeitura e Lei de Zoneamento (área estritamente comercial ou residencial - não permite igreja; ou industrial; mista; preservação; de mananciais; índice de aproveitamento - exemplo: índice 2 significa que a área construída poderá ter o dobro da área do terreno; taxa de ocupação - da área superficial do terreno quanto pode ser ocupado pela edificação e qual a área livre exigida; recuos);
3.5. Infra-estrutura e Serviços
3.5.1. Calçamento;
3.5.2.  Energia elétrica;
3.5.3.  Água, esgoto, drenagem;
3.5.4.  Transporte coletivo;
3.5.5.  Segurança;
3.5.6.  Projetos futuros de rodovias e mudanças no fluxo de trânsito;
3.6. Vizinhança
3.6.1. Prédios comerciais, residenciais, casas;
3.6.2. Possibilidades de expansão missionária no local;
3.6.3. Vegetação predominante;
3.6.4.  Praças e ponto de ônibus;
3.6.5.  Nível de ruído;
3.6.6.  Acessos, fluxo do trânsito, congestionamentos, estacionamento;
3.7. Expansão: o terreno é suficiente para permitir ampliações, área de recreação, salas de escola bíblica, casa pastoral e/ou zelador.

4.   A Construção
4.1.  Membros (hoje, dez anos atrás e dez anos no futuro);
4.1.1.  Batizados;
4.1.2.  Comungantes;
4.1.3.  Famílias;
4.1.4.  Agrupamentos etários;
4.2. O Santuário ou Presbitério:
4.2.1. Será separado ou integrado à nave?
4.2.2.  O altar; paramentos; cruz; luz eucarística; agenda litúrgica;
4.2.3.  Grade (cancela) do presbitério: sim/não;
4.2.4.  Credência - mesa para vasos e livro sagrado: sim/não;
4.2.5.  Candelabro de solo: sim/não;
4.2.6.  Pedestais para flores;
4.2.7.  Cadeiras para oficiantes;
4.2.8.  Bandeiras;
4.2.9.  Posição focal;
4.2.10.  Posição geográfica - tradicionalmente o altar fica para o leste: possível?
4.2.11.  Boa circulação para receber a Ceia;
4.2.12.  Os recursos visuais e sonoros;
4.3. A Nave
4.3.1.  Pia Batismal;
4.3.2.  Púlpito;
4.3.3.  Púlpito de Leituras;
4.3.4.  Assentos (capacidade);
4.3.5.  Acessos/ saídas (emergência);
4.3.6.  Assentos extras;
4.3.7.  Acústica, iluminação e ventilação;
4.3.8.  Focos visuais;
4.3.9.  Prevenção de incêndio;
4.4. Coral, órgão e outros instrumentos musicais:
4.4.1.  Espaço para o Coral e Órgão;
4.4.2.  Sistema de som;
4.4.3.  Sacristia do Coral;
4.5. Hall (Nártece);
4.5.1.  Acesso facilitado (rampa e escada);
4.5.2.  Espaço suficiente;
4.5.3.  Isolamento acústico;
4.5.4.  Registro de visitantes;
4.5.5.  Distribuição de programas e boletins;
4.5.6.  Ligação com área de convívio;
4. 6. Sacristia:
4.6.1. Mesa;
4.6.2.  Vestes talares;
4.6.3.  Lavabo com espelho;
4.6.4.  Ligação com o escritório, presbitério e nave;
4.7. Sacristia de serviço:
4.7.1.  Paramentos e utensílios, hóstias, vinho, flores;
4.7.2.  Pia para lavar utensílios do culto (água quente e fria);
4.7.3.  Mesa para contar as ofertas e fazer registros estatísticos;
4.8. Exterior:
4.8.1.  Paisagismo;
4.8.2.  Passeios sem degraus;
4.8.3.  Entrada coberta;
4.8.4.  Cuidado com o trânsito de veículos no terreno;
4.8.5.  Sinalização e iluminação;
4.9. Administração e serviços;
4.9.1.  Recepção e secretaria;
4.9.2.  Livraria e biblioteca;
4.9.3.  Estar, salão social e cozinha;
4.9.4.  Salas de estudo e Escola Dominical.


5.   Identificação
Uma edificação formalmente agradável, criativa, inédita, bela e significativa pode se transformar num referencial para a rua e bairro. Apenas uma placa de identificação não é suficiente para marcar a memória das pessoas. Localização estratégica, projeto arquitetônico e paisagístico criativo com uma placa de identificação integrada, fazem parte de uma identificação eficiente.


BILBIOGRAFIA

BRUCK, Nelson. As dicas na construção. Porto Alegre, DC Luzzatto Editores Ltda., 1985.
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Rev. Jaime Kuck
São Bernardo do Campo, SP

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