sexta-feira, 8 de fevereiro de 2019

O Culto Luterano - manual litúrgico 8

Este manual encontra-se completo aquiMas está disponibilizado também nas postagens, com o marcador "manual da comissão de culto". Há outras duas publicações no blog (mais antigas) devem aparecer na busca também, mas estas aqui estão atualizadas.

ESTUDO 3 – A PALAVRA NO CULTO



Introdução

Podemos imaginar um culto na época de Jesus?
O que fazia parte de um culto?
Havia as grandes celebrações no templo de Jerusalém com os sacrifícios de animais e outros cerimoniais. Esses sacrifícios não são mais necessários, pois Jesus se sacrificou por nós uma vez por todas!
Mas o que acontecia nas reuniões simples nas sinagogas? Temos a descrição de uma parte deste culto em Lc 4.16-21 (ler e comentar).
            O ponto alto dessas reuniões era a leitura da palavra de Deus. Naquela época eles só tinham o Antigo Testamento, que era lido, explicado e aplicado à vida dos participantes.
            A centralidade da Palavra continuou nas reuniões dos primeiros cristãos, e em torno da leitura da Palavra e da celebração da Santa Ceia se moldou a liturgia da igreja.
            À leitura do Antigo Testamento foram acrescentadas a leitura das cartas dos apóstolos e a leitura do Evangelho.
            "Entre os cristãos, no culto, tudo deve acontecer por causa da Palavra e dos Sacramentos" escreve o Dr. Martinho Lutero ("Pelo Evangelho de Cristo", p g. 230).[1]

  

1 - O ANO ECLESIÁSTICO
  
Somos uma igreja de forte tradição litúrgica. Na Reforma, Lutero voltou à verdade bíblica naqueles pontos em que havia distanciamento dela. Mas o que pôde ser conservado, dentro da sadia tradição da igreja, e para a boa ordem do culto, foi conservado. Assim, o Ano Eclesiástico foi preservado com os seus ciclos festivos, seus domingos e dias santos[2], expurgadas aquelas datas que conflitavam com o Evangelho.
Temos a parte festiva do Ano Eclesiástico, que inicia no Advento e vai até Pentecostes; e temos a parte não-festiva, que abrange a outra metade do calendário. Todo o Ano Eclesiástico foi elaborado a partir da Páscoa, a festa maior da cristandade, sempre centralizando as datas na vida e obra de Nosso Senhor Jesus Cristo. É bom lembrar que a igreja do Antigo Testamento também tinha o seu Ano Eclesiástico, com suas festas fixas e móveis, estabelecido por Deus após a saída do povo do Egito, e que lembrava os grandes feitos salvíficos de Deus em favor do seu povo a partir da Páscoa judaica.
            Cf. o gráfico[3] do Ano da Igreja:


PARA REFLEXÃO:
a) Qual seria a reação de uma congregação luterana se no dia 25/12 não fosse falado sobre o nascimento de Jesus, mas fosse celebrado um culto comum?
b) Por que, então, não celebrar e enfatizar as festas menores e as leituras próprias de cada domingo?
c) Qual a festa mais festejada em sua congregação?
- Aniversário da congregação:
 - Natal:
 - Dia das Crianças:
- Páscoa:
 - outra: 
Sugestões:

2 - AS PERÍCOPES

            São trechos "cortados", selecionados da Escritura. Já na igreja judaica havia o costume de usar textos fixos selecionados para sábados especiais.
            Paul W. Nesper, em sua obra "Biblical Texts", relaciona 14 séries de perícopes.[4] Entre nós, as mais conhecidas e usadas são a Tradicional, a Eisenach, e, mais recentemente, a Série Trienal.
As perícopes são organizadas de forma a apresentar durante o ano todo o desígnio de Deus para a nossa salvação. Seguindo os textos das perícopes, o pregador evita subjetivismos e repetições de assuntos, o que freqüentemente acontece na escolha de textos avulsos. Ao mesmo tempo, é um desafio ao pregador se defrontar com um texto pré‚determinado a cada semana, estudá-lo a fundo, e trazer as suas verdades para a realidade de hoje, tanto para seu próprio proveito como para os seus ouvintes.
A consulta às leituras programadas para cada domingo vale também para os demais ofícios da igreja: sepultamentos, casamentos, alocuções, estudos bíblicos, visitas pastorais e a enfermos, departamentos, etc. Ao procurar um texto bíblico para estas e outras ocasiões, é bom tentar primeiro as leituras do domingo mais próximo. Numa grande maioria das vezes encontraremos bons subsídios, boas idéias, bons textos, que podem ser relacionados à ocasião ou época específica, encaixando o momento dentro do Calendário Eclesiástico, e não como uma ocasião avulsa.
No entanto, isto não significa que o pregador deve ser escravo das perícopes. Caso haja uma situação específica, uma necessidade especial, o pregador tem a liberdade de escolher outro texto, seja para o sermão dominical ou para outros momentos.[5]

Vamos nos deter um pouco na Série Trienal:
Sua origem está na "Ordo Lectionum Missae", de 1969, da Igreja Católica Romana. Nos Estados Unidos houve um movimento muito forte para unificar em todas as igrejas cristãs as leituras do domingo. Várias igrejas adotaram esta Série Trienal. A Série adaptada pela Igreja Luterana conserva cerca de 60% da série original. A IELB adotou esta série em 1982.

Princípios para a elaboração da Série Tríplice:
1.       Procurou-se reter um ano litúrgico cristocêntrico.
2.       Concordou-se em escolher textos evangélicos, centrados na boa nova.
3.       Levou-se em conta o aspecto querigmático (este texto pode ser pregado?).
4.       Procurou-se refletir "todo o desígnio de Deus".
5.       Perguntou-se até que ponto o texto se adapta à leitura.
6.       Deu-se especial atenção ao inter-relacionamento dos textos.[6]

Aproveitamento dos livros bíblicos na Série Trienal:
Série A - Mt, 1 Co, 1 Pe, Rm, Fp, 1 Ts.
Série B - Mc, 1 Co, 1 Jo, 2 Co, Ef, Tg, Hb.
Série C - Lc, Gl, Cl, 1 Tm, 2 Tm, Fm, 2 Ts, Ap, 1 Co, Hb.

O Evangelho de João aparece nas três séries.
Do Antigo Testamento aparecem trechos substanciais de Is, Jr, Dt, Gn, Êx, 1 e 2 Rs, Ez, Nm, Dn, Pv.[7]

PARA REFLEXÃO:
1.       A sua congregação segue as perícopes?
2.       O pastor se utiliza dos estudos publicados nas revistas "Igreja Luterana" e "Vox Concordiana" e no "Preciso Falar"?
3.       Sugestões:


3. O SERMÃO.

            "Es ist kein Ding dass die Leute mehr bei der Kirche behaldt denn die gute Predigt!"
"Não há nada que segura tanto as pessoas na igreja como um bom sermão!"[8]
            Numa pesquisa a respeito do culto, 88% dos entrevistados enfatizaram a importância e prioridade do sermão!
            Mas qual a diferença entre um bom sermão e um sermão ruim?
            Um bom sermão faz distinção entre lei e Evangelho, proclama Cristo, chama ao arrependimento, e é claro na sua estrutura.
Um mau sermão não distingue entre lei e Evangelho, não apresenta Cristo, dá falsa segurança sem chamar ao arrependimento, e é "gelatinoso", não consistente em sua estrutura e em seu conteúdo.[9]
            A primeira parte do nosso culto (descontando a preparação: Confissão e Absolvição), isto é, o Ofício da Palavra, tem o seu clímax no sermão. É o Verbo vindo através de um pregador específico para um povo reunido num lugar específico num momento específico da história.[10]
            Daí a responsabilidade do pregador no preparo e na apresentação do sermão. É importante que os pastores aproveitem bem os cursos de aperfeiçoamento oferecidos pelos nossos Seminários. É também importante que os leigos/diretorias/lideranças comentem com o seu pastor a respeito dos sermões, fazendo uma crítica construtiva e expressando sua opinião sobre o alcance e proveito dos sermões. O pastor não pode pregar para as paredes, sem ouvir o eco da mensagem de Deus proferida por ele!
            O método de, após o estudo do texto, estabelecer: a) um objetivo; b) determinar quais são os empecilhos que impedem atingir o objetivo (lei); e c) qual o meio dado por Deus para atingir o objetivo (evangelho), - tem ajudado muitos pregadores a aperfeiçoarem seus sermões. A leitura comparativa das perícopes do dia tem fornecido muito subsídio para o desenvolvimento do texto básico do sermão.
            O uso de uma pergunta diretiva ajuda a subdividir o tema de forma clara e objetiva. "Como?" - " Quando?" - "Por quê?" - "Quem?" - "Onde? - exigem respostas concatenadas e que se complementam. Este método ajuda a ficarmos numa linha diretiva, sem nos perdermos em muitos pensamentos. A mente do ouvinte não tem condições de captar muitas idéias divergentes no curto espaço de uma pregação. Devemos desenvolver o sermão em torno do tema estabelecido, perseguindo o objetivo que foi proposto!
Não podemos aqui apresentar todo um programa homilético. Fica o desafio para que cada congregação apóie e incentive o seu pastor a se aperfeiçoar cada vez mais na bela e boa tarefa de preparar e apresentar um sermão, de maneira que Cristo seja sempre colocado diante dos olhos do ouvinte como seu único Salvador!

PARA REFLEXÃO:
a)       Ao preparar e escrever o sermão, o pastor sempre deve se perguntar: "Onde está Jesus?"
b)      O ouvinte, após o sermão, deve se perguntar: "Ouvi Jesus? Fui consolado? como? "
c)       O que a sua congregação está fazendo para que os sermões sejam cada vez mais cristocêntricos?
d)      sugestões: 


4.OS SACRAMENTOS:

Os sacramentos foram incluídos neste bloco de "A Palavra no Culto" porque eles são a própria PALAVRA VISÍVEL. "Une-se o elemento à Palavra e tem-se o sacramento"[11], afirmou St. Agostinho. Os Sacramentos são a proclamação visível do Evangelho do amor de Deus em Cristo através da água e do pão/vinho.
O Batismo não deveria ser separado do culto principal; nem pode ser realizado às pressas, como se fosse um "problema" para manter o horário/duração do culto. Com reverência e solenidade, envolvendo a congregação toda na Confissão de fé e na lembrança do novo nascimento de cada congregado, o batismo torna o Evangelho palpável e visível: Deus perdoando e salvando unicamente por graça, conforme a sua promessa.
A Santa Ceia, relegada durante muito tempo apenas a cultos especiais, está reencontrando o seu espaço no culto dominical, de onde nunca deveria ter saído. Filhos de Deus prestam culto a Deus em torno da palavra e dos Sacramentos!
            Com sabedoria e prudência as congregações devem analisar possíveis distorções/ superstições/crendices/costumes/abusos/desleixo relacionados aos Sacramentos, instruindo todo o povo na essência e proveito dos Sacramentos e na participação com fé e respeito.

PARA REFLEXÃO:
2-      A Sta. Ceia é celebrada em todos os cultos em sua congregação? Por que sim? Por que não?
3-      Há abusos/superstições relacionados à prática dos sacramentos em sua paróquia? Relacione quais: ___________________.
4-      A inscrição para a Santa Ceia e a comunhão fechada é praticada: com rigor? ______________________. com tolerância? _______________ .
5-      Sugestões: _______________________________________.



5. AS ORAÇÕES:

Deus fala conosco através da sua Palavra. Nós falamos com Deus através da oração. Está estabelecido o diálogo entre o Pai e seus filhos.
            Como foi Deus mesmo, através do seu Filho, que nos ensinou a orar, a oração não pode ser um simples exercício pessoal, desligado da Palavra. A oração é a resposta à Palavra!
A Coleta, ou Oração do dia, é uma breve "coletânea" das verdades das leituras do dia. Apresenta um resumo do tema e uma súplica baseada no que Deus nos diz e revela naquele dia. Muitas vezes a Coleta nos ajuda a determinar o tema do sermão.
A Oração Geral da Igreja apresenta as ações de graça e intercessões de toda a comunidade. Também pode lembrar no seu início a temática do sermão, levando a Deus em oração as preces específicas relacionadas ao tema do dia.
A nossa Liturgia Luterana oferece "Coletas" para cada domingo do ano eclesiástico e textos para a Oração Geral. Nada impede que ela seja substituída; mas não para pior: orações livres, gaguejadas, improvisadas, sem conteúdo... O recurso de uma oração responsiva é muito bom.
Recomendamos a leitura dos vários textos de Lutero sobre a oração; especialmente o "Como se deve orar, para o Mestre Pedro Barbeiro", publicado no "Pelo Evangelho de Cristo" pp. 317 e seguintes. Também o livro "Querido Deus" da Ed. Sinodal, que apresenta uma série de breves orações de Lutero. O Livro "Palavra e Oração" da Concórdia Ed. oferece excelentes subsídios para orações alternativas no culto.

PARA REFLEXÃO:
a)               As "coletas" constantes na Liturgia Luterana são usadas em sua congregação?
b)              Os participantes do culto têm oportunidade de incluir suas intercessões pessoais na oração geral? Como isto é feito?
c)               Sugestões: ______________.

  
CONCLUSÃO:

            Recomendamos a leitura da "Missa e Ordem do Culto Alemão", escrito por Lutero em 1526, publicado no "Pelo Evangelho de Cristo". Toda a centralidade da Palavra no culto está muito bem expressa e fundamentada, com excelentes sugestões práticas para o culto referente à forma de fazer as leituras bíblicas, à maneira de celebrar a Sta. Ceia e outros detalhes. Apesar de ser um texto antigo, a atualidade de suas propostas é marcante. Não precisamos sempre de novo "reinventar a roda".... . Também o caderno 13 do PEM (Programa de Evangelização e Mordomia da IELB) fornece excelentes subsídios para uma melhor compreensão da liturgia e sua celebração.
O que deve prevalecer é que Cristo seja apresentado de todas as maneiras e formas possíveis. Como "entre os cristãos, no culto tudo deve acontecer por causa da palavra e dos Sacramentos"[12], devemos nos conscientizar cada vez mais do quanto a Palavra está permeada no culto de ponta a ponta. Mesmo que o sermão em determinado domingo não atinja os corações (por falta de atenção pessoal ou por inabilidade do pregador), mesmo assim posso sair consolado da igreja pelas muitas outras formas e oportunidades que Deus se comunicou comigo através da sua Palavra nas leituras, hinos, sacramentos, cantos litúrgicos, etc. [13]
            "Tu, porém, permanece naquilo que aprendeste, e de que foste inteirado, sabendo de quem o aprendeste. E que desde a infância sabes as sagradas letras que podem tornar-te sábio para a salvação em Cristo Jesus. Toda a Escritura é inspirada por Deus e útil para o ensino, para a repreensão, para a correção, para a educação na justiça, a fim de que o homem de Deus seja perfeito e perfeitamente habilitado para toda a boa obra." - 2 Tm 3.14-17.
            "Pois tudo quanto outrora foi escrito, para o nosso ensino foi escrito, a fim de que, pela paciência e consolação das Escrituras, tenhamos esperança. E o Deus da paz vos encha de todo o gozo e paz no vosso crer, para que sejais ricos de esperança no poder do Espírito Santo." - Rm 15.4,13.

BIBLIOGRAFIA:

1. BOSCH, PAUL. "The sermon as part of the liturgy". In: The Preacher's Workshop Series, vol. 6. St. Louis, MO, CPH, 1977.
2. LIVRO DE CONCÓRDIA, Artigos de Esmalcalde P.Alegre, Concórdia Ed. / Ed.Sinodal, 1098.
3. Lutero, Martinho. "Pelo Evangelho de Cristo". P.Alegre, RS, Concórdia Ed / Ed.Sinodal, 1984.
4. POOVEY,W.A. "Letting the word come alive." in: "The Preacher's Workshop Series", vol 2. St/. Louis, MO, 1977.
5. SCHULZ, RICHARD. "Preaching and the Pericopes." Apostila e anotações em aula de C.W.Winterle. Curso de Pós-Graduação do Seminário Concórdia, S.Leopoldo, RS, 1982.
6. WINTERLE,C.W. "Adorando como Filhos de Deus" - Caderno do PEM, vol 13. P.Alegre, RS, Concórdia Ed. 1998.
7. ZIMMER,R.ALLAN e outros." O culto cristão". Trad.: I.Hoppe e C.Gedrat. P.Alegre, RS, Concórdia Ed., 1988.
8. ZIMMER, RUDI. In: "Preciso Falar", vol VI, P.Alegre, DEP-IELB, 1986.



Rev. Carlos Walter Winterle

Porto Alegre, RS




[1] WINTERLE,C.W. "Adorando como Filhos de Deus" - Caderno do PEM, vol 13. P.Alegre, RS, Concórdia Ed. 1998, pp.16,17.
[2] Lutero, Martinho. "Pelo Evangelho de Cristo". P.Alegre, RS, Concórdia Ed/Ed.Sinodal, 1984, p.230.
[3] ZIMMER,R.ALLAN e outros." O culto cristão". Trad.: I.Hoppe e C.Gedrat. P.Alegre, RS, Concórdia Ed., 1988, p. 46.
[4] POOVEY,W.A. "Letting the word come alive." in: "The Preacher's Workshop Series", vol 2. St. Louis, MO, 1977, p. 10.
[5] POOVEY, W.A. Ibid. p. 10.
[6] ZIMMER, RUDI. in: "Preciso Falar", vol VI, P.Alegre, DEP-IELB, 1986, p.XXXIII.
[7] Ibid, p. XXXIV.
[8] SCHULZ, RICHARD. "Preaching and the Pericopes." Apostila e anotações em aula de C.W.Winterle. Curso de Pós-Graduação do Seminário Concórdia, S.Leopoldo, RS, 1982.
[9] Ibid.
[10] BOSCH, PAUL. "The sermon as part of the liturgy". In: The Preacher's Workshop Series, vol. 6. St. Louis, MO, CPH, 1977. p. 20,21
[11] LIVRO DE CONCÓRDIA, Artigos de Esmalcalde P.Alegre, Concórdia Ed./Ed.Sinodal, 1098. P. 333.
[12] Lutero, M. "Pelo Ev. de Cristo." Ibid. p. 230.
[13] BOSCH, PAUL. Ibid., p. 19.

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