1.
Tentatio
a. Aos que perguntarem o
porquê de tantas páginas dedicadas ao tema tentação, lembramos as palavras de
Pieper: Toda a teologia de Lutero cresceu da tentatio de dentro e de fora. Primeiro, veio a interior. Após anos
de incerteza e de terrores de consciência sob a doutrina romana das [boas]
obras, Deus o guiou ao entendimento do evangelho da livre graça de Deus em
Cristo. Assim provou em seu próprio coração e consciência “quão reta, quão verdadeira [...] é a palavra de Deus”. Então veio
a tentatio de fora. Quando Lutero
ensinou a palavra de Deus, o papado, sim, quase todo o mundo se pôs no seu caminho,
e declarou que perdera o direito tanto à sua vida eterna como à vida terrena.
Em sua aflição ele aprendeu “a buscar e a
amar a palavra de Deus” [...] Assim, pela via da aflição, Lutero tornou-se “um razoavelmente bom teólogo”.
b. E Pieper conclui: “Não nos enganemos! Ainda hoje a aptidão
teológica não é obtida de outro modo do que esse, na agonia de dentro e de fora
somos guiados para dentro da palavra da Escritura e aderimos a ela como a única
inamovível força divina no universo”.
c. Acima se disse que
saboreamos melhor o quanto a palavra de Deus é reta, verdadeira, boa, doce,
pura, amável, poderosa e consoladora na tentação! Aqui Lutero parece usar o termo no sentido de
provação.
d. Pois nem a intervenção
perversa do maligno consegue destruir, estragar ou sequer prejudicar a obra de
Deus! Pelo contrário, Lutero parece dizer que quanto mais o diabo nos tenta,
mais a palavra de Deus, com o seu poder de fortalecer a fé, se manifesta em
graça e perdão, mostra em nossa vida sua capacidade de fazer crescer a fé e a
de agirmos contra as tentações do inimigo.
e. A tentação não é a pedra
de toque da autenticidade da fé (credibilidade do crente) e, sim, da própria palavra
de Deus, “que na tentação demonstra sua
credibilidade e poder”. Ela comprova a validade do primeiro mandamento (Dt
6.4-5; Mc 12.29-30), pois quem nele medita, faz de fato e na prática, de modo
exterior, a controvertida experiência de quem está envolvido na luta entre o
único Senhor e os muitos outros senhores.
f.
Portanto,
há um árduo caminho até o teólogo poder dizer: “O que me consola na minha angústia é isso: que a tua palavra me
vivifica”. (Sl 119.50) “Antes de ser
afligido andava errado, mas agora guardo a tua palavra”. (Sl 119.67) “Foi-me bom eu ter passado pela aflição,
para que aprendesse os teus decretos”. (Sl 119.71).
g. Não se é bafejado pela
sorte por ser um eleito de Deus, alguém de quem o inimigo esteja impedido de se
aproximar, de atacar. Aí estão as bem-aventuranças (Mt 5.1-12) para mostrar que
não. Mas este é o caminho em que Deus conduz o teólogo.
h. A tentatio completa o ciclo. Esta é a função da tentação. Aqui não só
se ensina a saber e a entender, mas também a experimentar que a palavra de Deus
é “sabedoria acima de toda sabedoria”.
i.
Na tentação [ele...]
experimenta pessoalmente a justiça e a verdade da palavra de Deus em todo o seu
ser, e não apenas em seu intelecto. Ele tem experiência da [sua] doçura e beleza
[...] não apenas com suas emoções. Ele experimenta o [seu] poder e a força
[...] não apenas com seu corpo. A tentação é, portanto, o teste para avaliar
qualquer teólogo; ela revela o que, sem ela, não se vê e não se conhece. Assim
[...] a tentação testa e prova a realidade da espiritualidade de alguém. (Kleinig)
j.
Por
isso Lutero agradece aos que o oprimiram e fizeram sofrer.
k. Porque eu mesmo (para
que eu, dejeto de rato, também me ponha no meu lugar, tenho muito a agradecer
aos meus papistas, por terem me agredido, acossado e intimidado dessa maneira
com a fúria do diabo, ou seja, por terem feito de mim um teólogo razoavelmente
bom, o que jamais teria conseguido sem eles.
l.
O
pleno estudo/aprendizado da teologia, para Lutero tem seu ponto culminante na
sabedoria da experiência. A realidade da espiritualidade do teólogo carece ser
testada e aprovada na experiência da tentação.
m. Para Lutero a
espiritualidade implica em oração vinculada à meditação e ambas vinculadas à
vida cristã como ela é. Na tentatio
atuam, lado a lado, a obra estranha e a própria de Deus que confere o aspecto
existencial à vida cristã que Lutero expõe em sua teologia da cruz.
n. Bonhoeffer reflete que,
por não conseguir levar o Filho de Deus à queda, Satanás persegue os cristãos. “Não somos nós os tentados, mas Jesus é tentado
em nós”. Por isso também participamos do triunfo de Cristo.
o. Tentação não é tanto
algo para se ensinar, mas se aprender vivendo. Não é teoria, mas, experiência
vivida. Tentatio descreve uma
complexa rede de tribulações, angústias do coração humano, dúvidas na mente e
estratégicos ataques de fora.
p. Ainda segundo
Bonhoeffer, a tentação revela ao homem sua natureza e cobiça como a raiz do pecado.
Mas o pecado manifesto, conhecido e confessado traz certeza do perdão. O diabo
tortura o cristão pela sedução ao prazer, pela privação e por sofrimento físico
e espiritual. O empurra até a beira do abismo. Mas ali Deus o sustenta por sua
graça, ainda imperceptível; e a ação do diabo revela ao cristão o socorro
divino, sua misericordiosa correção (Hb 12.4ss).
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